sexta-feira, julho 16, 2004

Inconformismo não é pessimismo

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)
 
Portugal não esteve directamente envolvido na 2ª guerra mundial. Outros países estiveram – e, em 1945, além das ruínas materiais um pouco por todo o lado, tinham exaurido grande parte dos seus recursos humanos e financeiros no conflito. Tinham que ser reconstruídos. Em muitos aspectos, significava começar novo. Aparentemente, numa situação bem pior do que a portuguesa.
 
No entanto, tiveram uma visão larga, arrojada e de futuro. Ousaram e arriscaram, com um planeamento com pés e cabeça. Portugal continuou na sua mentalidade de pobrezinho-coitadinho-pequeninho-honradinho-poupadinho. Passada uma época, o nosso país continuava a marcar passo, com dirigentes a dizer “eu avisei a Europa!”. E a tal Europa, que segundo os mesmos nossos dirigentes, mergulharia no caos político, económico e social, já estava melhor do que nós em todos os aspectos.
 
Desculpem esta digressão histórico-política. Não vou abordar questões políticas. É uma mera introdução, que acho que tem relação com o que se passa no Belenenses.
 
Há 15 anos que, no clube, só se fala em contenção financeira e em sermos poupadinhos para não comprometer o futuro. Mesmo as direcções (Ferreira Matos / Cabrita; José António Matias) que lançaram o caos económico no clube, foram eleitas na base da apologia da poupança e de fazer frente às falsas promessas e megalomanias (está escrito; e tenho guardado!). E sempre com os mesmos chavões: os outros, despesistas e mafiosos, vão rebentar! E nessa altura é que se vai ver que nós é que tínhamos razão! Mas, apesar disso...
 
... Apesar disso, ao fim de 15 anos, a conversa é sempre a mesma. Neste período, em termos futebolísticos, descemos duas vezes de divisão; estivemos duas vezes em situações ruinosas em termos financeiros; o melhor que conseguimos foram um 5º lugar e dois 6ºs lugares; apesar de historicamente sermos o 4º clube português, as nossas classificações médias, neste período, andam pelo 10º - 12º lugar; as nossas assistências médias diminuíram três vezes; o clube perde projecção ano a ano; há  quase uma década que não temos um jogador convocado para a selecção; não fomos uma única vez classificados para as competições europeias; tivemos derrotas históricas, recordes negativos de golos sofridos e de golos marcados; estivemos quase a ficar sem o Bingo. E continuamos sempre a dizer... “não há dinheiro”!... E as direcções saem umas das outras, numa linha de quase continuidade!... Alguém se lembra do percurso directivo de José António Matias antes de chegar a Presidente? Não basta atirar-lhe pedras; é preciso lembrar como é que as coisas foram.
 
E os outros? Sejamos objectivos: o Boavista foi campeão (igualando-nos nisso), foi 2 vezes à Liga dos Campeões, teve vários lugares de pódio, ganhou Taças de Portugal e uma Supertaça, esteve numa meia final da Taça UEFA; o Braga, o Marítimo, o Vitória de Guimarães, o Leixões, o Nacional, o Beira Mar, o União de Leiria e já nem me lembro mais quem, foram às competições europeias, em alguns casos várias vezes; Estrela da Amadora, Farense, Beira Mar, União de Leiria, Marítimo e já-nem-me lembro-mais-quem, estiveram em finais da Taça; competimos agora e até somos ultrapassados por Moreirenses e Alvercas; o Vitória de Guimarães leva mais adeptos fora do que os que nós...
 
Gostaria de deixar claro que também não quero ver o Belenenses na lama dos caloteiros; que sou contra a demagogia e as promessas fáceis (embora entre nós, infelizmente, até já as promessas, neste período, sejam pequenininhas, ridículas...), contra os aventureirismos, contra os fogos de palha que ardem crepitosamente e se apagam depressa; que não gosto de “mafiosos” nem de “vendedores de ilusões”; que prefiro mil vezes ter o nosso actual Presidente do que, por exemplo, um Loureiro ou um Vieira; que não pomos minimamente em causa a honestidade de qualquer dirigente do nosso clube e/ou da SAD.
 
Mas fico prostrado quando vejo que continuamos a falar em “crença”, “vamos ver”, ”estou optimista” (de que ficamos em 10º lugar ?!), “com este treinador é que é!”, etc, e que, entretanto, os outros, cada vez mais dos outros, nos vão passando à frente.
 
E aqui, cito as ilustrativas palavras do Luciano, que dizem tudo: “Quando andava na escola, havia um miúdo que era gozado por todos e, no fim, era sempre o culpado de tudo. Nós somos esse miúdo no futebol”. É isso mesmo, Luciano! A imagem é perfeita para mostrar o que tem sido o Belenenses. E será assim, enquanto nos contentarmos com demasiado pouco. Enquanto qualquer coisa nos servir. Enquanto não houver outro nível a fazer, outro patamar de exigência, outra coerência de gestão e de organização. É fácil culpar só os dirigentes... mas não será que o que fazem (ou não) está em consonância com o nosso (in)conformismo?
 
Inconformismo não é pessimismo!

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