sábado, julho 24, 2004

O Dr. Pangloss e o amigo do Ventura

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Há quase 20 anos atrás (como o tempo passa!) fui ver um jogo de Hóquei em Patins entre o Belenenses e o Quimigal no Pavilhão do Restelo.

Um dos nossos jogadores, salvo erro o nº 3, chamava-se Ventura. Um sócio ou adepto belenense, mesmo junto ao recinto de jogo, passou o tempo inteiro a “chingá-lo”: “Não jogas nada, ó Ventura”, “Vai-te embora, ó Ventura”, “Ó Ventura, estás cada vez pior!”. Se o Ventura falhava um passe, o homem espumava “Que é isso, ó Ventura?!”; se ele ia para o ataque, o homem dizia “vais lá para a frente, ainda sofremos um golo!”; se ele ficava cá atrás, lá vinha o protesto: “Tás aí parado a fazer o quê, ó Ventura? Vamos é para o ataque”!

Tenho a impressão que o Belenenses ganhou 5-2. E um dos golos foi do Ventura. Ficou naturalmente a curiosidade do que é que o tal senhor ia dizer…Pois não é que, quando se esgotou aquele bruá normal a seguir a um golo, gritou ele: “Não jogas nada, ó Ventura! Nem sabes como é que fizeste aquilo!”? (Nota: não estou a inventar!).

Estávamos meio divertidos, meio fartos daquilo, até que alguém se dirigiu ao tal senhor e lhe perguntou: “Mas o que é que você tem contra o Ventura?”. A resposta foi surpreendente: “Eu não tenho nada…Até sou amigo dele! Só estou a dizer o que penso!”.

Bem, com amigos daqueles, o Ventura não precisava de inimigos! Mas o que o “Amigo do Ventura” mostra é uma maneira de estar, que alguns têm no Belenenses. Acho que não é preciso dizer mais nada. São aqueles que dizem sempre mal, que dizem mal por dizer, que encontram satisfação em dizer mal, mesmo que só arrasem o clube, de quem são “muito amigos”.

Bem, está esclarecido quem era “o Amigo do Ventura”. E o Dr. Pangloss?

Desculpar-me-ão esta divagação. O Dr. Pangloss é uma personagem de um livro do Voltaire (“Cândido”), que por acaso até caricaturiza um homem (Leibniz) que acho que foi invulgarmente inteligente e genial - mas nem por isso deixa de ter piada (a tal personagem do Dr.Pangloss). Bem, e o Dr. Pangloss, fosse qual fosse a situação, mesmo que a mais negra e dolorosa, a mais absurda e injustificável, achava sempre que aquilo era o melhor que podia ter acontecido, pois vivíamos no melhor dos mundos possíveis, e tudo quanto acontecia devia ser aceite como óptimo, excelente, ideal e elogiável.

Pois também o Belenenses tem os seus Drs. Pangloss. Aconteça o que acontecer, esteja na Direcção quem estiver, eles são sempre a favor, está sempre tudo bem, defendem o indefensável com ar sabedor e de maior entendimento que os outros, e aí de quem fizer algum reparo: é logo considerado desestabilizador, burro ou outra coisa ainda pior. Acho que também não é preciso dizer mais…

E agora, bem: entre o “Amigo do Ventura” e o Dr. Pangloss, “venha o diabo e escolha”! Porque aquilo que precisamos, acho eu, é de uma 3ª via: crítica mas construtiva, realista mas inconformada, colaborante mas não servil!

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