quarta-feira, agosto 25, 2004

A DÉCADA DE 80 (CONTINUAÇÃO) PARTE V - CONCLUSÕES / SECÇÃO II - O Esmorecer da Alma

Penso que foi para o fim da década de 70, que uma certa "mornice", um determinado modo de cinzentismo, foi invadindo o clube. Esse processo intensificou-se muito na década de 80 (a que nos estamos a referir, lembremo-nos), continuou a crescer na década de 90 e conduziu ao actual estado de coisas, em que são já relativamente poucos os que sabem o que foi o Belenenses, e em que proliferam os produtos híbridos: uma mescla de belenensismo (nem sempre maioritário...) e de outras coisas....

Perdeu-se a garra e o orgulho, a PAIXÃO forte mas LÚCIDA. E o clube foi sendo minado de pessoas afectas ao Sporting e sobretudo, ao Benfica. Estão um pouco por todo o lado... É terrível e assustador! Não me refiro, é claro, nem por sombras, a altos dirigentes como o Dr. Sequeira Nunes, ou o Engº. Cabral Ferreira, etc; mas refiro-me, claramente, a sectores intermédios.Já anteriormente contei o choque que tive quando, há anos atrás, num dia de um jogo com o Benfica, vi alguém que era presença assídua (e cheia de opiniões) no Restelo, equipado a rigor à Benfica, na paragem de autocarro, ao pé de uma das embaixadas...

Por isso, eu continuo a pensar que os nossos verdadeiros adversários são o Benfica e o Sporting. Não são o Porto (embora também), nem o Boavista, muito menos o Moreirense ou o Penafiel. Os nossos adversários são aqueles que nos sufocam e cujos tentáculos penetram até em órgãos do corpo belenenses, embora, felizmente, ainda não no seu coração vital. Mas pouco falta! Sim, pouco falta! É uma doença muito grave...O BELENENSES SÓ RECUPERARÁ OS QUE SE VÃO AFASTANDO por não aguentarem mais tristeza e humilhações, só recuperará pessoas que viram um Belenenses grande, que sabem que ele pode ser grande, que querem que ele seja GRANDE mas não aguentam mais vê-lo encolhido, QUANDO RECUPERAR O SEU ORGULHO E O SEU ATREVIMENTO e, com os meios que tiver, ENFRENTAR COM NOBREZA; DIGNIDADE, AUDÁCIA E PAIXÃO ESSES SEUS ADVERSÁRIOS, OS SEUS VELHOS RIVAIS. Meus amigos, nós precisamos do Benfica e do Sporting, não para nos protegerem e ajudarem, como às vezes tolamente (na minha opinião) se diz mas, sim, para serem os rivais que, ao enfrentá-los, nos devolvem a dignidade, a identidade, o fio condutor da nossa luta para resistirmos e nos afirmamos diante desses clubes.

Pelo contrário, cada vez que recorremos à sua ajuda (empréstimos ou o que seja), nós damos-lhes um sinal de submissão, nós desferimos mais um golpe no orgulho belenenses, nós fazemos mais alguns belenenses afastar-se. E não só damos ao Benfica e ao Sporting um sinal de abdicação, de capitulação, como emitimos para todo o meio desportivo sinais da nossa fraqueza. E quando se sente que é mole, há logo quem, há logo muitos quem venham pisar.

Nunca repetirei demais: fico siderado e estupefacto quando vejo as aclamações aos empréstimos; e siderado e estupefacto fico quando vejo pessoas cuja preocupação parece ser a que o Porto ganhe o campeonato, em vez de ser o Benfica e o Sporting. E o Belenenses, para onde vai?

Estamos num país latino e, nestes, é antes de tudo a paixão que move e faz crescer os clubes - mais a mais, num país como Portugal, que nunca teve uma estrutura empresarial forte de que os clubes sejam subsidiários (como em grande medida se verifica em Itália). Se há paixão, isso leva à conquista de muitas coisas, até de recursos financeiros, obtidos por uma imaginação e uma criatividade sempre operante, por uma vontade forte e determinada, por uma ambição e aspiração sempre presente; se ela morre, o clube naturalmente definha em todos os seus aspectos.

Os exemplos desse deficit de paixão clubística a que assistimos nos anos 80, foram muitos e tremendos. Recapitulemos aqui alguns a que já aludimos em artigos anteriores, e acrescentar-lhes-emos alguns outros, mais uma vez em forma de tópicos, para não nos alargarmos demasiado:

* A espantosa afirmação de Mário Rosa Freire (Presidente do clube entre 1982 e 1990) de que o bingo era o maior sucesso da história do Belenenses. A resposta de Acácio Rosa foi contundente: acusou-o de ser ignorante da história do clube. Na altura, isso deu origem a um confronto que, a vários de nós, muito nos doeu (tendo, na altura, justiça lhe seja feita, Alexandre Pais publicado no jornal do clube um belíssimo editorial apelando à reconciliação). A esta distância, não posso deixar de manifestar estima por Mário Rosa Freire, que tenho por homem de bem, e em cuja presidência se verificaram os últimos sucessos significativos do clube em termos futebolísticos; mas a sua afirmação foi bastante infeliz. Seria compreensível, se lhe tivesse acrescentado “em termos económicos”. Pena foi que o sentido integral de um clube com (então) 70 anos não estivesse mais vivo nesse tempo, apesar de tudo promissor. E isso traduziu-se em muitas coisas, até no esquecimento de continuar a prestar apoio a velhas glórias do clube, apoio esse que era não só um acto de justiça e humanismo mas, também, de inteligência em preservar esse precioso capital anímico do clube.

* A já anteriormente mencionada senhora que, na triste época de 90/91, durante um jogo em que o Belenenses se encontrava a perder e, assim, a deslizar ainda mais para a descida de divisão, estava em êxtase por, na rádio, ouvir que o Benfica havia chegado à vantagem num outro jogo (e, assim, era capaz de ganhar o campeonato ao Porto, etc…); que, num outro jogo que igualmente perdemos, passou metade do tempo a falar das guerras Benfica-Porto, e a repetir que estava desejosa que o (empresário) Manuel Barbosa “despejasse o saco” contra Pinto da Costa.

* Na antepenúltima jornada da mesma época, sabendo-se que precisávamos de ganhar esse e os dois restantes jogos para nos salvarmos da descida, e estando nós a perder por 1-0, ver um grupo de sócios completamente alheios ao que se estava a decidir e, a escassos minutos do fim, perante o nosso desespero, estarem entretidíssimos porque “o Belém talvez ainda chegue ao empate !!!”

* A inqualificável tentativa de expulsar Acácio Rosa de sócio, de que já falámos no artigo anterior.

* O completo desaparecimento da noção de amor à camisola. Poder-se-á dizer que isso desapareceu por completo em todo o lado, dando lugar a um profissionalismo puro e duro. Mas não é completamente assim. No Porto, no Benfica, no Sporting, ainda há essa referência. Pode ser que em alguns casos seja falso mas, ao menos galvaniza. Entre nós....

*Entre nós.... eu sorrio tristemente quando oiço falar de amor à camisola. Foi algo que desapareceu por completo a meio da década de 70. Os últimos exemplares terão sido Godinho e Quaresma. Amor à camisola? Não brinquemos! Amor à camisola tinham-no Artur José Pereira, Augusto Silva, Pepe, os heróis do quarto de hora à Belenenses; tinham-no Amaro e Feliciano, Matateu e Vicente, que recusavam contratos milionários para continuarem fiéis ao seu Belenenses. Agora? Nas últimas décadas? Amor à camisola?! Não brinquem connosco! Já é muito bom e louvável quando há brio e dignidade profissional, o que, de qualquer modo, merece o nosso respeito. Mas... amor à camisola?! Eu, que seria incapaz de vestir uma camisola e envergar um emblema contra o Belenenses, fosse por que preço fosse, não entendo os supostos “grandes belenenses” que, ganhando bem no clube, se transferem para os nossos rivais, aí permanecem uma carreira inteira, e até fazem parte dos clubes de fãs desses clubes, enchendo-lhes algumas páginas dos livros da sua História – essa mesmo que no Belenenses, desde os tempos de Acácio Rosa, já não é escrita, nem contada, nem publicada e, pior que tudo, nem já respeitada!

* E, aqui, interrogo-me: porque os dirigentes não intervinham no sentido de evitar que os nossos atletas estejam tantas vezes a falar em transferir-se para outros clubes portugueses (os “tais”)? Porque é que os responsáveis permitem tal coisa? Gostava, para não ser mal interpretado, de reproduzir aqui o que escrevi há tempos, no artigo “Perfis”: “...claro que queremos jogadores ambiciosos e claro que sabemos que há clubes com mais trunfos que nós mas isso não quer dizer que seja bom que um jogador que ainda nem sequer jogou no clube já esteja a dizer que está a pensar noutros… que disputam o mesmo campeonato que nós. A expressão do pensamento é livre mas acho que os responsáveis do Belenenses devem, desde o primeiro contacto com os jogadores, deixar claro que o Belenenses não é uma coisa qualquer e que, sendo legítima a ambição pessoal, não é muito respeitoso (começar logo a) falar noutros clubes, que disputam o mesmo campeonato. De resto, eu acho que, tendo o Belenenses sido e querendo voltar a ser (eu, pelo menos, quero) um dos clubes grandes, devemos todos evitar a expressão “três grandes” (eu, por uma questão de orgulho, nunca a utilizo) e fazer perceber a quem nos representa que nos fere e magoa essa alusão. Julgo que não é pedir muito. Se eu estiver a almoçar num restaurante, acho que não é muito correcto nem educado estar a declarar que queria era estar noutro restaurante ali ao pé. O que não tira o direito de, eventualmente, ir a esse outro restaurante para uma refeição futura. O que toda a gente sabe que é possível, sendo desnecessário eu estar a proclamá-lo. Além disso, põe algum travão aos ‘jornaleiros’ que, quando escolhem algum jogador nosso para entrevistar, conseguem que, mesmo assim, se fale mais tempo noutros clubes (“mas qual dos grandes é que preferia representar”, é a pergunta inevitável, às vezes repetida 3 ou 4 vezes…) do que no Belenenses”.

* Um pequeno espectáculo com raios laser (na altura, ainda quase uma raridade entre nós), a anteceder o jogo da 2ª mão com o Bayer Leverkusen. Pouco antes, acho que num encontro de apresentação do Sporting, segundo vi na televisão, no meio da encenação, surgia o nome daquele clube e o seu símbolo do leão. No caso do espectáculo naquele jogo do Belenenses, surgiu o nome e o símbolo... da Philips. Alguns poderão achar que não quer dizer nada; para mim, foi muitíssimo sintomático!

* Várias vezes víamos, nas fotografias que acompanham entrevistas de dirigentes do clube, nas instalações do Restelo, bandeirinhas e galhardetes não do Belenenses mas, sim, de outros clubes (frequentemente o Benfica...)! Felizmente, esse é um dos aspectos que foi corrigido.

* Confessos adeptos de outros clubes (mas que “também gostam do Belenenses”) a dirigir secções do clube (para depois irem fazer o mesmo no seu “clube a sério”...).

* Ver que, muitas vezes, para ilustrar situações, receios ou opções tomadas, se dão exemplos de outros clubes (o que o Artur Jorge fez no Benfica, etc.) e nem parece haver memória de idênticos exemplos no nosso Belenenses – exemplos que seria muito mais lógico utilizar, não fosse o facto de irmos perdendo a nossa identidade, repito, de irmos perdendo a nossa identidade.

* As bancadas muito desfalcadas em jogos importantes e que nos poderiam catapultar para mais altos voos (exemplos: jogos com o Bayer Leverkusen, com o Velez Mostar, com o Mónaco), porque dá na televisão e sócios (que só o são para ver os jogos com menos gastos de dinheiro...) a preferirem ficar em caao para poupar uns tostões (ressalvo aqui, claro, os que têm reais carências económicas; mas, tantas vezes, esses são os mais assíduos e generosos!).

* As bancadas dos sócios com muita gente de braços cruzados, mesmo nos melhores momentos, porque fazem gala nisso, porque acham que não têm que aplaudir, porque julgam que isso não conta, porque não batem palmas àqueles.... dos jogadores (como se estivesse em causa os jogadores e não o clube), etc. Lembro-me de alguém que fazia questão de proclamar que, em 35 anos, só tinha aplaudido um golo do Belenenses, e foi só por uns segundos...num acto instintivo e irreflectido.

* Sócios e adeptos preocupados porque, “assim”, o Benfica e o Sporting “infelizmente”, nunca mais ganham um Campeonato.

* As tristes, miseráveis celebrações dos nossos 70 anos (como, mais tarde, das Bodas de Diamante)...

* Um Presidente recém-eleito a festejar na rua a vitória do Estrela da Amadora na Taça de Portugal...

... e tantas, tantas outras situações, que seria fastidioso e exaustivo referi-las todas.

A isto, natural e inevitavelmente, vem ligada a falta de orgulho e de ambição. De tal, falaremos no próximo artigo...

Antes de acabarmos, porém, gostaríamos de repetir algumas palavras que um grande belenense proferiu, justamente no fim da década de 80: “Desejamos um Belenenses fiel à mística com que nasceu. (…) Estes dirigentes não têm sensibilidade. Deixaram o Amaro e o Serafim dois anos em total abandono. Quanto tive de lutar! Novos ricos… pobres de espírito. O que mais me confrange é que a maioria dos beléns só pensa na bola que vai à trave, no “penalty” marcado ou deixado por marcar. Pensem na “Cruz ao Peito”. Pensem que nascemos pobres, num banco da Praça Afonso de Albuquerque, que não temos a petulância das campionites. Pensem como foram construídas as Salésias, como surge o Restelo. Vendiam-se as melhores pedras, para se ter um campo. Hoje temos dinheiro. Não temos gestão. Pensem que o Bingo não é eterno. (…)

Estamos a ser ultrapassados por clubes que têm menos de metade do que nós temos. Não podemos ser subservientes. Temos a nossa independência. Respeitamos e exigimos igual reciprocidade a todos os clubes (…)

Belém: ACORDA. Pensa que o clube está em perigo”.

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