quarta-feira, setembro 29, 2004

A DÉCADA DE 70: PARTE II – A ÉPOCA DE 72/73


A parcial resolução do problema do Estádio, as receitas resultantes das boas assistências verificadas na época anterior (pelos motivos explicados no artigo da semana passada) e um bom trabalho nas camadas jovens de que se começavam a colher frutos, fez da época 71/72 um patamar de transição para anos bem sucedidos. De facto, repetimos a classificação da época anterior – um decepcionante 7º lugar – mas com mais pontos, maior proximidade dos primeiros, mais golos marcados, menos golos sofridos, menos “sustos” (nenhum, aliás...) e um plantel de indiscutível melhor qualidade. Para além do mais, teve o Belenenses ao seu serviço um treinador consagrado, Zézé Moreira, que, nomeadamente, treinou a selecção do Brasil vários anos - e por tudo isto, havia alicerces para o clube recuperar posições perdidas.

E assim foi, na época seguinte, 1972/73. Presidia ao clube o Major Baptista da Silva. Foi-se buscar para treinador Alejandro Scopelli, de quem já falámos num artigo a propósito do campeonato perdido a 4 minutos do fim em 54/55. Scopelli, um grande homem e um grande belenenses veio para o clube com Tárrio e Telechea mesmo final da década de 30, e este trio de argentinos deu um grande contributo para o progresso do futebol português. E, tantos anos depois, D. Alejandro Scopelli voltava ao Belenenses, agora como treinador, para o relançar para as posições cimeiras, que invariavelmente ocupava nos seus tempos de jogador.

Era um adepto do bom futebol. Lembro-me de um jogador do Belenenses (salvo erro, Quinito) relatar o seguinte: certo dia, num treino, um jogador desarmou um colega mas, logo em seguida, efectuou um passe inábil, que fez a bola sair do rectângulo. Scopelli interrompeu logo o treino e disse: “Senhor, o campo tem 110 metros de comprimento, 75 metros de largura. São mais de 8.000 metros quadrados! E o senhor, com tanto espaço, atira a bola para fora?!” (nota: de facto, na altura, e desde a fundação do estádio até meio da década de 90, o terreno de jogo do Restelo de jogo tinha aquelas dimensões, sendo o maior do país. Não me recordo se foi com Abel Braga ou João Alves que se encurtou mas o facto é que até esse destaque perdemos! Se por um lado se pode argumentar que, em nossa casa, onde em princípio atacamos mais, um terreno menor facilita o assédio à baliza adversária, o facto é que, por outro lado, os jogadores ficaram mais longe do público e do seu apoio). Mas Scopelli também sabia ser realista (como bom defesa que tinha sido...) e isso ficou expresso no grande número de empates que o Belenenses registou nessa época. Com as naturais excepções, num sentido ou noutro, a nossa carreira, basicamente, se traduziu-se em ganhar em casa e empatar fora.

Por outro lado, foram-se buscar uma série de bons jogadores, de que destacamos o médio (ou defesa? Já vamos falar nisso...) Calado, então internacional B, o excelente avançado centro brasileiro Luís Carlos e o magnífico paraguaio Paco Gonzalez. Este último veio para o clube via Real Madrid (que o levara para Espanha mas desistiu de o incluir no plantel), fruto das boas relações que então tínhamos, bem como do nosso prestígio e dos olhos abertos e atentos dos responsáveis. Como e por que é que se perdeu essa relação privilegiada com o Real Madrid? E, já agora, não seria melhor apostar em acordos dese género com clubes espanhóis e brasileiros, em vez de estarmos a receber emprestados do Sporting e do Benfica (para mais quando Rodolfo Lima se calhar podia ter vindo directamente para o Belenenses, e quando permitimos que se pemnse que o Benfica nos está a fazer um favor, quando somos nós que lhe estamos – mal! – a facilitar o pagamento de uma dívida)? NÃO ME CONSIGO CONFORMAR!

Adiante. Caso curioso, é que Calado era suposto jogar a médio mas Alejandro Scopelli, com o seu olho clínico, resolveu aproveitar a sua altura e poder de impulsão para o pôr a jogar a defesa central, adiantando, sim, para médio o até então defesa Quaresma (tio avô do Quaresma dos nossos dias). Alfredo Quaresma veio mais tarde a confessar que receou que ia ser queimado a jogar fora da posição habitual mas tal não aconteceu. Pelo contrário: fez grandes exibições, auxiliava a defesa e, ao mesmo tempo, “fartou-se” de marcar golos. Deste modo, chegou a internacional A, realizando vários jogos pela selecção nacional em 1973 e 1974.

Assim, a nossa equipa base durante a época foi a seguinte: Mourinho; Murça, Calado, Freitas e Pietra; Quinito, Quaresma e Godinho; Laurindo, Luís Carlos e Gonzalez. João Cardoso também jogou muito assiduamente. Note-se que, destes 12 jogadores, julgo que só 3 não foram internacionais A: Calado, Quinito e Luís Carlos – de qualquer modo, três excelentes jogadores. Também Carlos Serafim, internacional Esperanças e jogador com enorme futuro à sua frente (toda a gente dizia isso!), estava destinado a jogar com frequência. No entanto, em jogo particular com a CUF, a meio da semana, sofreu grave lesão que fez terminar a sua carreira. Novamente o azar a bater-nos à porta, depois de Vicente, Amaro, Pepe e vários outros!

O campeonato iniciou-se com uma vitória fora, no Barreiro, contra a CUF – então um adversário difícil para qualquer equipa (salvo erro, chegou a eliminar o Milão). Lembro-me do título da “Bola” no dia seguinte: “Será, Belenenses…?” (com o sentido: será que o Belenenses volta mesmo a ter uma grande equipa?).

No jogo seguinte, ganhámos ao Vitória Setúbal (então a viver a sua década de ouro) no Restelo, por 3-2, e o comentário da “Bola” (ainda me recordo)..., foi então: “Olá! Belenenses é mesmo verdade!”. Assisti a esse jogo no nosso estádio; lembro-me que fizemos uma bela exibição, sempre em vantagem no marcador (1-0, 2-0, 2-1, 3-1, 3-2) e com uma boa assistência, claramente mais de meia casa, isto é, cerca de 25 mil pessoas (uma fotografia desse jogo, e da assistência, pode ser encontrada no site oficial. Veja-se em Recortes, depois escolha-se Album de Recordações, depois jogos no Restelo. Então, no conjunto de fotos, é a 3ª. Já agora, veja-se a anterior. Para quem diz que o Restelo nunca encheu, talvez seja esclarecedor...).

Na jornada seguinte, confirmámos a nossa qualidade com um empate em casa do F.C.Porto (1-1), vencendo à 4ª jornada o União de Tomar por 2-0 (em jogo transmitido na Televisão, uma raridade naqueles tempos). E instalámo-nos no 2º lugar, a seguir ao Benfica, posicionamentos que se mantiveram até ao final.

Foi um belíssima época, em que me sentia autenticamente nas nuvens, com o “meu” Belenenses em 2ºlugar (e eu a sonhar que no ano seguinte era para sermos…Campeões). Houve apenas uma jornada de tristeza, a derrota por 5-0 na Luz, que me fez passar a noite seguinte em claro.

Nessa época, para o campeonato, assisti igualmente a um jogo com o Atlético (salvo erro, logo a seguir ao malfadado jogo da Luz), que vencemos por 3-2. Estariam no estádio, certamente, umas 20.000 pessoas... no mínimo (e tenho a impressão que não entrou assim muita gente depois de o jogo começar, por causa das bichas nas bilheteiras...)!

Presenciei também um jogo com o Boavista num sábado à noite. Estava, apenas, uma assistência mediana. Foi já na 2ª volta, numa fase menos boa, em que o Sporting, o Porto e o Setúbal se chegaram a aproximar do nosso 2º lugar. Empatámos 1-1, depois de termos estado a perder mas com um pormenor pitoresco: Tínhamos então um jogador chamado Ernesto, popularmente alcunhado de “cenoura” (por causa do seu cabelo ruivo). Habitual suplente (apesar de anos antes ter chegado a constituir uma grande promessa), nesse jogo, certamente por lesão de alguém, foi titular. Como as coisas não estavam a correr bem (estávamos a perder 1-0), a insatisfação corporizava-se no grito “tira o cenoura!”. E, de facto, Scopelli tinha a sua substituição preparada. Só que, entretanto, Ernesto, num remate de raiva, marcou um golaço, a alguns 30 metros da baliza. E saiu, sim, mas debaixo de uma forte ovação!

Vi, enfim, o último jogo, conta o Barreirense, que ganhámos 4-2, com uma primeira parte de luxo que terminou por 3-0. Sei que foram distribuídos postais autografados pelos jogadores, e também algumas bolas, e que estava uma excelente assistência, na festa do 2º lugar.

E como toda esta série de artigos começou com a questão das assistências, gostava de referir que, durante muitos anos, o Diário Popular publicava as receitas dos jogos de cada jornada, e a classificação das melhores receitas da época. Primeiro vinha o Benfica-Sporting, depois o Sporting-Benfica, e o Belenenses ficava invariavelmente com os 3º e 4º lugares, com as receitas relativas aos jogos com o Benfica e o Sporting (normalmente por esta ordem). O F.C.Porto vinha mais para trás, porque tinha uma grande número de sócios e poucos lugares (e bilhetes vendáveis) para não sócios. Os outros clubes estavam a larga distância. Acabe-se, pois, com o mito de que o Restelo esteve sempre às moscas - não é verdade! De que nunca encheu - não é verdade! De que nunca esgotou - não é verdade! De que mesmo as grandes assistências eram por causa de adeptos de outros clubes, porque só os do Belenenses não eram suficientes para tal - não é verdade!

E, já agora, uma das grandes enchentes no Restelo, a que assisti com os próprios olhos, foi o jogo, nessa mesma época, para a Taça de Portugal, com o Benfica. Que grande assistência e que grande proporção de belenenses! Perdemos por 4-2…mas fica a recordação de fazermos 1-0 logo no 1º minuto…No outro dia, na escola, ao encontrar o meu colega de carteira e de clube, tivemos em simultâneo a mesma exclamação: “E o primeiro golo? Foi o delírio!…”.

Como disse, esta foi uma época que acompanhei com grande alegria e empolgamento (não só no futeb ol, mas também no andebol, modalidade em que ficámos em 2º lugar, por pouco nos fugindo para o Sporting o título que, entretanto, conquistámos na época seguinte). E espero que compreendam a ternura com que olho para o que se reproduz nas gravuras aqui insertas: as folhas de um caderno em que eu – então um miúdo de 11/12 anos -, registava cuidadosamente (com a estranha letra da época...) os resultados no intervalo e no fim de cada jornada, os autores dos golos da nossa equipa, a classificação geral e, ainda, os melhores marcadores. Para mim, constitui uma autêntica relíquia, com quase 32 anos!

A terminar, cabe uma referência ao jogo que, em 14 de Dezembro de 1972, disputámos em Madrid. De facto, 25 anos depois de nos ter honrado com o convite para inaugurar o seu estádio, o Real voltou a convidar o Belenenses, agora para a festa de despedida de Gento (um dos maiores jogadores espanhóis de todos os tempos, e 5 vezes campeão europeu pelo Real Madrid). Um sinal do respeito que o Belenenses continuava a merecer. Perdermos por 2-1 mas, uma vez mais, com grande dignidade!


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