quarta-feira, outubro 13, 2004

A DÉCADA DE 70 - PARTE IV – Vivendo dos Juros...



Contrariamente ao que outros clubes vieram a fazer (especialmente o F.C.Porto e o Boavista), o Belenenses de certa forma encolheu-se a seguir a 1974. E, desde então, encolhido tem continuado a viver, repetindo-se sucessivamente o discurso “vamos conter despesas para que então venham os sucessos no futuro” – futuro que persiste sempre em não vir. Mesmos os aventureirismos loucos em anos mais recentes (como em 1990 com Ferreira Matos /Joaquim Cabrita e em 94/95/96 com Matias, A QUE CURIOSAMENTE SURGEM ASSOCIADAS, ATÉ NAS ELEIÇÕES EM QUE, ENFIM, J.A. MATIAS FOI AFASTADO, PESSOAS SUPOSTAMENTE MUITO “RESPONSÁVEIS” E ATENTAS -, caracterizam-se por uma ambição medíocre, bacoca e pateta (e, já agora, patética), marcada pela subserviência (empréstimos, etc.) a F.C. Porto ou Benfica ou Sporting (essa mesma que, depois, nos inibe de tomar as posições devidas nos momentos adequados). Estranhamente, continua a chamar-se a isso “gestão moderna”, “trabalhar de uma maneira diferente” “evitar a demagogia”, quando não epítetos ainda mais altissonantes… - e o clube cada vez com menos projecção!... (Não será altura de nos perguntarmos seriamente: porquê?).


No entanto, há 30 anos, a alma Belenenses, embora já um pouco debilitada (face aos primeiros 40 ou 50 heróicos anos de existência), ainda estava viva. Não se tinham perdido as referências. Não se tinha perdido o sentido do peso histórico do clube. E, tal como, em circunstâncias diferentes, tem sido feito por alguns dos integrantes das direcções de Sequeira Nunes, no seu melhor (e não tenho dúvidas nenhumas que Sequeira Nunes deixará um saldo bem positivo no clube), continuou a ousadia de tentar encontrar maneiras de “dar a volta ao texto” e lobrigar onde podíamos mais facilmente obter êxitos.

É assim que, nos anos de 74 a 76, o clube ganha logo o 1º Campeonato Nacional de Iniciados (quantas vezes assistimos a isto? Arrancamos em força e/mas, depois….). É assim que, prosseguindo as correctas apostas de anos anteriores (e, aliás, colhendo juros da formação), conquistámos mais um Campeonato Nacional de Rugby em 74/75. É assim que vencemos mais um Campeonato de Andebol, em 75/76. É assim que ganhámos o campeonato de Lisboa e a Taça de Portugal no Andebol Feminino, respectivamente, em 1975 e 1976, neste ano se tornando o Belenenses a primeira equipa feminina a disputar competições europeias. É assim, facto que nunca será demais destacar, que se construiu o Pavilhão (que, bem mais tarde, veio a receber, com toda a justiça, o nome de Acácio Rosa), inaugurado em 5 de Outubro de 1977, e objecto de complicadas batalhas com a Câmara Municipal de Lisboa (outra vez, e durante anos!) É assim, ainda, como já referimos e voltaremos a ver, que o clube se inscreve na Taça Intertoto de Futebol em 1975 e 1976, conquistando sucessivamente um 1º e um 2º lugar.

* * *

Centremo-nos agora no Futebol. No final de 1974, houve uma sangria na equipa, como consequência natural de um processo de desinvestimento. Murça saiu para o F.C.Porto. Luís Carlos e Eliseu regressaram ao Brasil. Mourinho terminou a sua carreira. Calado saiu, não sei já em que circunstâncias. O mesmo aconteceu com o treinador Scopelli (substituído por Peres Bandeira). Em contrapartida, os reforços são tímidos (basicamente, lembro-me do Guarda Redes Melo, do lateral Sambinha, do médio Isidro e do avançado Alfredo). E, naturalmente, a equipa tem um começo de época (74/75) bastante titubeante.

Punham-se na altura, três problemas fundamentais. O possante mas desengonçado Alfredo substituiria Luís Carlos à altura na linha avançada? Quem e como ocuparia o lugar na baliza, durante tantos anos guardada por Mourinho? Que abanão teria na estrutura defensiva a saída de dois jogadores de qualidade como Calado e, sobretudo, Alfredo Murça (não confundir com o seu irmãos, mais jovem, Joaquim Murça)?

Inicialmente, o problema defensivo foi claramente o de contornos mais graves. Alguns exemplos das primeiras jornadas são bastante significativos: em jogos no Restelo, vencemos o Olhanense por…6-4 e empatámos… 3-3 com o Vitória de Setúbal (em desafio que podíamos ter ganho folgadamente, não fora os golos infantilmente sofridos). Na Luz, sofremos 4 golos (sem resposta); novamente no Restelo (em cima do famoso “28 de Setembro”), registámos um empate a 2-2 com o F.C.Porto, segundo o relato, devido às falhas infantis do nosso Guarda-Redes, que aliás era demolido pela verve de Neves de Sousa… Mas claro que, no fundo, era toda a equipa que perdera qualidade e, sobretudo, estabilidade.

As coisas lá se foram equilibrando (o guardião Melo não só ganhou a corrida à titularidade face a Ruas como até acabou por se vir a destacar no futebol português) mas, de facto, a equipa era capaz do pior e do melhor. Não podemos dar exemplo mais gritante do que este: numa das primeiras jornadas da 1ª volta, o Belenenses foi jogar às Antas, diante de um F.C.Porto a lutar pelo título, e venceu espectacularmente por 4-0! Na jornada seguinte, recebeu no Restelo a Académica, que salvo erro estava em último (se não era em último era em penúltimo) e perdeu por 3-1. Pensamos que isto diz tudo…

Seja como for, a tendência dos resultados e das exibições foi ascendente e terminou-se a época numa posição que, não sendo boa ou entusiasmante (falamos do Belenenses de há 30 anos…), acabava por ser razoável face às circunstâncias. Ficámos em 6º lugar mas, atenção, um 6º lugar que ficou claramente distanciado das equipas que vinham imediatamente atrás (6 pontos de vantagem sobre V.Setúbal, Cuf e Leixões) e a 3 pontos dos 4º e 5º, Boavista e V.Guimarães. O Belenenses registou 14 vitória, 7 empates e 9 derrotas.

Já agora registe-se que o Benfica foi 1º com 49 pontos, o F.C.Porto, 2º, com 44 e o Sporting, 3º, com 43. E, aqui, vem a propósito lembrar o último jogo desse campeonato, no qual o Belenenses venceu o Sporting por 2-0, com os adeptos leoninos, situados no Topo Norte, a arremessarem objectos e insultos contra Damas, que ia deixar o Sporting para ingressar no Racing de Santander. E foi também para o Santander que, no defeso entre 74/75 e 75/76, se transferiu Quinito. Julgo que foi por esse motivo que, em meados de Agosto de 1975, ali disputámos e ganhámos um torneio, em compita com a equipa local e os prestigiados húngaros do Honved.

* * *

Antes disso, porém, participou o Belenenses, pela 1ª vez, na Taça Intertoto, e inscrevendo logo o seu nome nos vencedores, ganhando a Série em que o sorteio o colocou, juntamente com o Spartak de Praga, da então Checoslováquia (2-2 Fora e 2-1 no Restelo), com o Copenhague, da Dinamarca (1-0 fora e 1-1 em casa) e com o Amsterdam, da Holanda (vitórias por 1-0 tanto no Restelo como no país das tulipas). Desse modo, como já algures sustentámos, e tendo a alegria de o ver reconhecido em imprensa desportiva, também o Belenenses conta no historial com uma vitória numa Taça Europeia – facto que não pudemos desprezar, como se fosse coisa de somenos importância, e certamente mais importante do que qualquer detalhe referente a um jogador que chega ao clube e que, quem sabe, partirá um ou dois anos depois.

Aproveitamos para corrigir dois lapsos: 1) os resultados que aqui indicámos relativamente a essa participação na Taça Intertoto apresentam ligeiras discrepâncias face aos que, há semanas atrás, indicámos em texto que saiu no site oficial. Os que agora deixámos consignados são os correctos, pois procedemos à sua confirmação. Pelo lapso então cometido, ainda que ligeiro e não essencial, pedimos desculpa aos leitores e ao Miguel Barreiros e restantes colaboradores, cujo magnífico trabalho cumpre uma vez mais enaltecermos. 2) A assistência ao jogo Belenenses-Wolverhampton da Taça UEFA de 73/74, segundo a edição de “A Bola” seguinte ao jogo (pág. 6 do nº 4180, de 27-9-73) foi de 15.000 espectadores

* * *

O campeonato de 75/76 iniciou-se com uma equipa moralizada, que recuperara uma coerência e um fio de jogo (mérito de Peres Bandeira), que compensara muito bem a saída de Quinito com a entrada de Vasques e que recebeu um Artur Jorge ainda em condições de marcar bastantes golos, de voltar à Selecção A e de ir ganhar uns bons cobres nos Estados Unidos da América, por deferência do nosso clube (para com o qual teve mais tarde comportamentos que prefiro não comentar e muito menos qualificar, pois receio ser injusto ou…excessivo).

Praticamente estivemos sempre nos três primeiros lugares, e grande parte do tempo no 2º lugar. E, aliás, à 6ª jornada, no dia 12 de Outubro de 1975, chegámos mesmo ao 1º lugar, com o Belenenses a viver um dia inesquecível. Recebemos o Benfica no Estádio do Restelo, emoldurado com uma multidão verdadeiramente impressionante. Já há tempos disse que rádios e jornais falaram na presença de 60.000 ESPECTADORES! EXACTO, SESSENTA MIL! Posso-o confirmar documentalmente, através de excerto da “Bola” (nº 4494, de 13 de Outubro de 1975, página 5), que será reproduzido oportunamente. Não sei exactamente se teriam estado 60.000 pessoas, 55.000, 50.000 ou até 70.000 como num meio de comunicação social chegou a ser aventado; mas certo, seguríssimo, é que se tratou de UMA MULTIDÃO COMPACTA, DE UMA ASSISTÊNCIA GIGANTESCA. E, tendo em conta que as bancadas transbordaram a ponto de algumas ténues vedações cederem aqui e acolá, que o Topo Norte estava cheio até aos pilares onde, desde há cerca de um ano, assenta a cobertura, com a zona de acessos, o marcador do totobola e até os terrenos acima cheios de gente (inclusive as torres de iluminação!), tendo em conta que a lotação do Estádio era então superior a 40.000 pessoas (a capacidade oficial do Restelo era de 44.000 pessoas – cfr. “A Bola”, Ano XII, nº 1534, 22 de Setembro de 1956, página 4, coluna 3, linha 32….), não custa acreditar que, no mínimo, tenham estado presentes umas 50.000 pessoas. IMPRESSIONANTE!

Foi uma tarde de glória, com o Belenenses a triunfar por 4-2, depois de um jogo espectacular. Vale a pena recordar a marcha do marcador:

* Aos 15 minutos, Belenenses, 1 – Benfica – 0. Livre do lado esquerdo do nosso ataque, marcado por Gonzalez, e Pietra a marcar de cabeça.
* Aos 32 minutos, 1-1, por Jordão.
* Aos 45 minutos, 2-1 para o Belenenses: Gonzalez marca canto do lado direito, Artur Jorge amortece de cabeça, e Vasques surge a marcar com um espectacular pontapé de bicicleta.
* Aos 49 minutos, 2-2, por Néné.
* Aos 59 minutos, Belenenses, 3 – Benfica – 2, com golo de Vasques, na sequência de canto apontado por Gonzalez e de um primeiro remate de Artur Jorge. A bola sobrou para Vasques que, no bico da grande-área, no lado direito, embora usando o seu pior pé (o esquerdo), arrancou tiro portentoso, que entrou no canto esquerdo da baliza de Bento,
* Aos 90 minutos, 4-2 para o Belenenses. Grande jogada de Pietra, a driblar vários jogadores e a entregar a Artur Jorge que rodopiou, evitou um defesa encarnado, e atirou colocado ao canto esquerdo.

E o jogo – um grande jogo, um espectacular jogo! – terminou em euforia azul, com invasão de campo, Vasques e Artur Jorge carregados em ombros. Que tarde maravilhosa! E que diferente era o Belenenses de então (e até então, sempre!), que, no seu estádio fosse contra quem fosse, e ganhasse ou não, era quem detinha a iniciativa do ataque, quem ia à procura da vitória. Repito, fosse contra quem fosse, e sempre!

COMO TENHO SAUDADES, COMO DESEJO VOLTAR A CELEBRAR UM TRIUNFO DESSES, QUE NOS COLOQUE LÁ NO TOPO, COM O ESTÁDIO, NESSES MINUTOS FINAIS, A SER TODO “NOSSO”, DEPOIS DE UMA VITÓRIA A JOGAR AO ATAQUE, DEPOIS DE PORMOS EM RESPEITO OS OUTROS GRANDES, COM A EQUIPA E TODOS OS BELÉNS A SEREM UM SÓ, CHEIOS DE ORGULHO, DE ÉLAN E DE ALMA!

Falámos há pouco na “Bola”. Vale a pena referir que, num dos títulos da crónica desse jogo (na qual era repetida a referência a SESSENTA MIL ESPECTADORES), se perguntava:

“Olha lá, BELENENSES
E se lutasses pelo Título”

E, entre muitas outras afirmações enfáticas sobre a valia do Belenenses, escrevia Santos Neves: “(…) Belenenses que acaba de ‘apanhar’ o Benfica e com ele (e com o Braga e o Boavista) passa a repartir o 1º lugar. E agora, Belenenses? Olha lá, Belenenses… e se lutasses pelo título? …Exagero?... Vamos lá a ver que exagero? Porquê exagero?”. E seguia-se uma descrição pormenorizada da força e do mérito da equipa do Belenenses.

* * *

Não chegámos ao título, como se sabe (já se passaram 58 anos desde 1946…); mas, apesar da oscilação de forma que houve durante a 1ª metade da 2ª volta, assegurámos um 3º lugar no final. Repare-se que, no Restelo, vencemos o Benfica por 4-2, e o Sporting e o F.C. Porto por 1-0. De resto, em casa, não registámos nenhuma derrota e somente cedemos 3 empates. Em 15 jogos, marcámos 27 golos e apenas sofremos 6. Nos jogos fora, a carreira não foi tão boa mas, por exemplo, empatámos 1-1 no Estádio da Luz. Fomos, aliás, a única equipa que não perdeu com o campeão Benfica – e mais do que isso, a ter um saldo positivo, com uma vitória e um empate, e 5-3 em golos.

Com o Boavista, pela primeira vez na sua história, a chegar ao pódio (com Pedroto no seu comando), a classificação final ficou assim ordenada

1. Benfica – 50
2. Boavista – 48
3. Belenenses – 40 (16 vitórias, 8 empates e 6 derrotas)
4. F.C.Porto – 39
5. Sporting – 38
6. V.Guimarães – 36
7. Braga – 28
8. Estoril – 28
9. V.Setúbal – 26

Sem desprimor para Peres Bandeira (cujo trabalho já elogiámos), não resistimos a perguntar até onde poderia ter ido o Belenenses se, no seu comando técnico, ainda se encontrasse o grande Scopelli ou estivesse José Maria Pedroto (que, relembre-se, foi jogador do Belenenses mas que tivemos que vender ao F.C.Porto para angariar receitas para a construção do Restelo). Seja como for, conservo uma grata memória desta época de 75/76, que foi quase um canto do cisne do velho grande Belenenses, embora na altura (com 14/15 anos), eu não o pudesse imaginar. Mais tarde, passei a sorver todos os (a partir dessa altura relativamente escassos) momentos de glória, como se fosse o último, porque nunca sei se é mesmo o último. No entanto, AINDA ESPERO ANSIOSAMENTE QUE O BELENENSES SEJA CAPAZ DE VOLTAR A DAR O SALTO!

Já agora, para finalizar esta época, recorde-se que voltámos a participar na Taça Intertoto (então chamada Taça Internacional), desta vez ficando em 2º lugar na Série em que o sorteio nos colocou.

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