segunda-feira, outubro 18, 2004

PALAVRAS QUE FORAM DITAS - 26 - O Restelo nunca encheu? Claro que encheu! Acabemos com essa patranha!


Há anos que vemos repetido que o Estádio do Restelo nunca esgotou, que nunca na sua vida encheu, pior ainda que, mais coisa menos coisa, teve sempre pouco público!

Temos para nós que tal afirmação não demonstra só ignorância. Em alguns casos, assim será; mas, noutros, existe a intenção, por parte de adeptos de outros clubes, de menorizar o Belenenses. Noutros contextos, pior ainda, a afirmação é conveniente para alguns responsáveis do próprio Belenenses, que aí encontram justificação para o imobilismo que conduziu ao actual estado de coisas e o permite manter, não obstante os alertas que há muitos anos alguns vêm fazendo, e que mais recentemente se repetem (e ainda bem) nos blogs.

Há tempos atrás, num outro artigo, disse que já a meio dos anos 80 a diminuição das assistências no Restelo me preocupava (embora fossem muito superiores às actuais) mas que, ao falar nisso, esbarrava num muro de desinteresse. Apesar de tudo, não era o único a ter preocupações semelhantes, pois, no Jornal do Belenenses de 5/11/1987, na sua página 2, reproduzia-se uma carta do consócio Fernando Paiva, que escrevia o seguinte:

“É sabido e não contestado que o Estádio do Restelo é, em média, o quarto campo do País (depois das Antas, Luz e Alvalade) em número de assistentes por jogo [naquele tempo, de facto, ainda era assim. Actualmente…]. Não é, porém, essa a imagem com que ficamos ao vermos na televisão os resumos filmados dos jogos que aí se disputam. De facto, as filmagens televisivas teimam em mostrar-nos um estádio quase sempre vazio, sendo por isso deturpadoras em relação ao carinho que todos os Belenenses dispensam ao seu clube.

Face a esta situação, proponho aos nossos directores que envidem esforços no sentido de que as filmagens se passem a efectuar do lado oposto à bancada dos sócios, para que desta forma se acabe com a ideia de que o Estádio do Restelo é um deserto situado em Lisboa”.

Passaram-se 17 anos… e nada se fez. Prevaleceu a lógica de gestão medíocre de que só interessa a receita imediata. E como nada se fez, as coisas foram piorando ano após ano, até à actual situação catastrófica. PÚBLICO ATRAI MAIS PÚBLICO, PAIXÃO DESPERTA MAIS PAIXÃO, VITÓRIAS CRIAM UMA DINÂMICA DE VITÓRIA. AO CONTRÁRIO, DERROTAS ATRAEM MAIS INSUCESSOS, DESERTIFICAÇÃO TRAZ MAIS DESERTIFICAÇÃO, FRIEZA AFASTA CADA VEZ MAIS O PÚBLICO. E ENQUANTO NÂO SE DEVOLVER AO BELENENSES A ALMA E A PAIXÃO QUE O FIZERAM GRANDE, O PÚBLICO NÂO REGRESSARÁ EM FORÇA AO RESTELO. Podem dar-se voltas e mais voltas, apresentar sugestões diversas – úteis, sem dúvida, eu próprio as transmiti, e devem ser postas em prática –, que essa é a razão principal.


Voltemos, porém, à questão: o Restelo nunca encheu? O Restelo nunca esgotou? A resposta, em ambos os casos, é SIM!


* * *

… Na verdade, o Estádio do Restelo encheu logo no dia da sua inauguração. Aqui, poderão alguns perguntar, e de boa fé: mas não há fotografias desse dia em que se vêem clareiras?

A resposta é a seguinte: há, sim senhor, fotos em que, numa das centrais, a do lado onde actualmente ficam os sócios (no início, era ao contrário), se vêem lugares vagos. Mas isso não invalida a verdade de que o estádio encheu, porquanto:

1. Todas as outras bancadas estão cheias;
2. A bancada em causa (o anel superior da central) levava então, cerca de 5.000 pessoas, e só uma pequena proporção não está cheia;
3. As festividades da inauguração demoraram muitas horas, e, em alguns dos momentos em que as fotografias foram tiradas, ainda havia público a chegar (aliás, numa delas, vêem-se filas de gente cá fora);
4. Houve um desfile de 3.500 (três mil e quinhentos!) atletas representativos de 200 (duzentos!) clubes) em homenagem ao Belenenses, entre os quais 650 dos Belenenses (documentado na página 5 do nº 1535 de “A Bola”, de 24/9/56). E esses atletas foram, depois, ocupar esses lugares vagos, para assistir ao resto das festividades, nomeadamente o jogo de futebol em que batemos o Sporting por 2-1 (Não nos enganámos: foram mesmo 200 clubes e 3.500 atletas a homenagear o Belenenses. Com uma postura que obrigava a que nos respeitassem, nem por isso deixávamos de ter tantas e tão boas relações! A pensar… não será uma lição cujo valor nos pode iluminar o presente e o futuro?)

Aproveitamos para esclarecer que a lotação do Estádio era bastante superior à de hoje, quer por não dispor da comodidade (e beleza adicional, diga-se!) das cadeiras, quer por a bancada do lado do Tejo estar aberta (e tantas vezes a vimos cheiíssima!), quer por o anel superior do Topo Norte constituir então o Peão, i.e., zona de lugares em pé – e só esse anel superior do Topo Norte podia albergar 16.000 pessoas (contra as menos de 6.000 actuais, sentadas, e com cadeiras).

Para que não nos venham, pela 4ª ou 5ª vez, acusar de inventar, recorremos novamente a “palavras que foram ditas” (neste caso, escritas), mais propriamente na edição de “A Bola” de 22/9/56, em que o Capitão Francisco Soares da Cunha (o maior vulto da construção do Estádio e que, no ano seguinte, assumiria a Presidência), entrevistado por Vítor Santos (um grande jornalista!), declara: “Além da lotação do Estádio propriamente dito que tem, como se sabe, lotação para 44.000 espectadores (25.000 dos quais sentados e 10.700 cobertos)….”. E noutro artigo, no mesmo número e na mesma página, lê-se: “A bancada é coberta de um lado e do outro, ficando descoberto apenas o Topo Norte, onde o primeiro anel é ainda de bancada, ficando por cima o peão – tal como no Pavilhão dos Desportos, mas em maior, claro, pois tem lugares de pé para 16.000 pessoas”. (Curiosamente, na pág. 6 do mesmo jornal, alude-se a várias perspectivas possíveis para o futuro, entre as quais “a construção do anel [superior] do topo sul que, à custa da visibilidade do belo panorama do Tejo, permitiria um aumento de lotação de 18.000 lugares” – o que faria chegar aos 62.000!).

No dia seguinte à inauguração, em artigo que reproduziremos oportunamente, a edição de “A Bola” fala expressamente em 40 mil espectadores, e no encher, progressivo e impressionante, do Restelo, apesar do tempo chuvoso.

Vale a pena, já agora, acrescentar que 2 dias depois, em 25 de Setembro, se realizou no Restelo o 1º jogo nocturno, contra o Stade Reims, para estreia da iluminação. Estiveram presentes, no mínimo, 25.000 pessoas (documentado em “A Bola”, nº 1536, de 27/9/56, na pág. 5).

E vale a pena recordar que não só o tempo esteve chuvoso, como os bilhetes eram bastante caros. E assim é que, na edição de 29 de Setembro seguinte do mesmo jornal, o inesquecível Alves dos Santos, em antevisão da jornada (num artigo com o significativo título “Dos ‘4 GRANDES’ apenas o Belenenses parece em sossego”), escrevia sobre o jogo que o Belenenses disputaria no domingo com o Vitória de Setúbal: “A partida tem, desde logo, vários atractivos, primeiro porque constitui oportunidade de poder ver a ‘preços acessíveis (a quem ainda não viu) o maravilhoso Estádio do Restelo…”.

Em 2 fotografias que temos desse jogo do Restelo com o V.Setúbal (uma está publicada no site oficial), vê-se:

* O primeiro golo em jogos oficiais no Restelo, marcado por Matateu aos 12 minutos. O anel inferior da então bancada dos sócios, está cheio; o anel superior, mais de meio. Temos, assim, perto de 8.000 pessoas.

* Matateu a falhar a marcação de penalty, com o Topo Norte em fundo. O anel superior do Topo Norte (o tal que levava 16.000 pessoas) está cheio em toda a extensão visível. E no anel inferior, também se vê público… Podemos pensar em algo como 17.000 pessoas, o que somado às 8.000 que se vislumbram na outra foto, dá cerca de 25.000 espectadores.

Mesmo que nas restantes bancadas (as que hoje ocupam os sócios, mais o Topo Sul) só estivessem mais 5.000, teríamos 30.000 espectadores! Ou seja, em 3 jogos numa semana, com dois deles a preços muito caros e sob chuva, um às 10 da noite, num tempo de transportes bem mais difíceis do que actualmente, as assistências oscilaram entre 25.000 e mais de 40.000!

* * *

Bom, o Restelo estava cheio na inauguração, terá estado (quase) cheio em outras ocasiões mas… terá mesmo esgotado (i.e., ter-se-ão vendido todos os bilhetes) alguma vez?

Esgotou, sim senhor! E sabemos a data exacta da primeira vez em que tal ocorreu: foi no dia 1 de Fevereiro de 1959.

Mais uma vez, recorremos à prova documental. Assim no jornal semanal “Os Belenenses”. nº 266, de 6/2/59, podemos ler, em artigo publicado na pág. 6:

“O Belenenses – Benfica foi o grande caso desportivo da última semana.

O entusiasmo do público afecto aos DOIS GRANDESCLUBES, à medida que o domingo se aproximava, atingiu o auge. A procura de bilhetes pôs em delírio os amantes da bola.

O pequeno rectângulo de papel, tomou foros de lendário tesouro. Verdadeira luta de emoção de nervos e até de factos.

Tentava-se o apelo ao amigo, faziam-se valer conhecimentos antigos e modernos, tudo para que o tal papelinho deixasse de ser sonho para se tornar em feliz realidade. E, quando conseguido, era guardado, religiosamente, no fundo da carteira.

Todos queriam mais um bilhete; todos desejavam presenciar a luta dos dois grandes contendores.

E surgiu o inevitável. OS BILHETES ACABARAM.

Na secretaria do nosso clube a azáfama foi constante.

Manuel Vacondeus estava extenuado (…). Pensamos ser interessante ouvir as declarações deste antigo e competente funcionário de ‘Os Belenenses’ (…).

- Naturalmente que o senhor tem tido um trabalhão com este jogo, não é verdade?

- Como pode calcular! Creia, no entanto, que não é o trabalho excessivo que me tem preocupado, pois eu estou aqui para servir o clube e não para descansar. Aquilo que, na verdade, me preocupou e me fez bastantes dores de cabeça, foi A IMPOSSIBILIDADE DE PODER SERVIR TODOS OS SÓCIOS.

- MAS OS BILHETES NÃO CHEGAM PARA OS SÓCIOS?

- NÃO. OS BILHTES QUE NOS CABEM NÃO SÃO SUFICIENTES PARA SERVIR TODOS OS SÓCIOS. Além disso, há aqueles que desejam um número superior àquele que tínhamos estipulado, que era de dois a cada sócio (…)

- A afluência para o encontro de domingo foi na verdade fora do normal?

- Sim, e a justificar essa verdade está o facto de, pela primeira vez, O NOSSO ESTÁDIO SE ESGOTAR”.

Por mais que se queira enterrar o passado, ESTÁ ESCRITO. E FOI GUARDADO. E HÁ QUEM INSISTA EM PRESERVAR OS FACTOS – para que não se perca a memória, a identidade e a ALMA QUE FEZ ESTE CLUBE GRANDE, TÃO GRANDE QUE AINDA RESISTE! Agradecemos, pois, muito particularmente neste caso, ao amigo Álvaro Antunes, que nos facultou este documento.


A 1º vez que o Estádio do Restelo esgotou: um célebre jogo com o Benfica em Fevereiro de 1959


Haveremos, aliás, de voltar a citar largamente este mesmo nº do Jornal do Belenenses, visto que aquele jogo ficou célebre por outras razões.

Tantas vezes, nos anos 70 e nos anos 80 (por ex:, na época 86/87, nos jogos contra Benfica, Sporting e Porto), vimos o nosso estádio a abarrotar de público! Temos pena de já não ser assim, e de haver muitos belenenses que nunca assistiram a tal.



Belenenses, 2 – Sporting, 0, em 28 de Setembro de 1986, perante cerca de 45.000 espectadores (fotos e números da “Gazeta dos Desportos”)

Mas, muito provavelmente, a maior assistência num jogo jamais verificada no nosso Estádio ocorreu em 12 de Outubro de 1975, dia em que o Belenenses bateu o Benfica por 4-2 e assumiu a liderança do Campeonato. Terão estado cerca de 60.000 pessoas (SESSENTA MIL PESSOAS) NO RESTELO!

Também este facto está documentado. No nº 4494 do jornal “A Bola”, que saiu em 13/10/75, na pág. 4, lemos o seguinte sobre a assistência ao jogo Belenenses-Benfica disputado na véspera, e que vencemos por 4-2:

“CASA CHEIA, COM GENTE POSTADA EM TODOS OS SÍTIOS POSSÍVEIS, com muita borla e alguma inconsciência.

Alberto Mesquita, secretário-permanente do Belenenses chegou a manifestar-nos os seus temores pelo EXAGERADO NÚMERO DE PESSOAS PENDURADAS NO QUADRO ONDE SE ANOTAM OS RESULTADOS DO TOTOBOLA, chamando-nos, também, a atenção para um assistente que se encontrava no topo duma das torres de iluminação.

Mais tarde, viríamos a saber que a receita deverá rondar os 1.400 contos, para mais e não menos, pois os cálculos aproximados conduzem àquela conclusão.

Todavia a receita não está de acordo com o número de pessoas que assistiram ao encontro pois, a determinada altura, entrou muita gente sem pagar qualquer bilhete. Apesar disso, julga-se que TERIAM ESTADO NO ESTÁDIO DO RESTELO CERCA DE 60 MIL PESSOAS”.

Bom, e já agora que sempre se demonstrou a veracidade de factos por nós apresentados, quando eles – anónima e (ir?)responsavelmente - foram contestados e até ridicularizados (o que ao mesmo tempo, significou a tentativa de ridicularizar a grandeza do Belém, que se procurava menorizar, talvez para que o contraste com as últimas décadas não seja tão grande…), e que recuperámos ou temos em mão documentos com os quais em qualquer altura podemos fazer prova do que afirmamos, espero que mereça alguma credibilidade a nossa memória (neste caso, simples memória) de que em outro meio de C.S. se chegou mesmo a falar em qualquer coisa como 70.000 (SETENTA MIL) pessoas.

Refira-se a propósito que, no ano seguinte, também com o Benfica, houve outra grande enchente. Conservo uma fotografia em que se vê uma parte do Estádio, impressionantemente cheia. Talvez algum dia a reproduzamos, apesar de mostrar Vítor Baptista a festejar um golo do Benfica. Também então se falou em números de 50.000 pessoas… ou mais! De qualquer modo, a assistência foi menor que na época anterior.

* * *

Poder-se-áainda perguntar: mas nesses casos, não eram adeptos de outros clubes que enchiam o Estádio?

O facto é que, até àquele jogo de 75, em desafios no Restelo, o público azul estava sempre em maioria, mesmo contra o Benfica ou o Sporting.

E decerto que eram quase só adeptos do Belenenses, os que encheram o Estádio do Restelo no dia da inauguração, os 25.000 presentes num jogo nocturno contra o Stade de Reims, os 30.000 que, logo a seguir, assistiram ao 1º jogo oficial, com o Setúbal, os que emprestaram aquela espectacular moldura humana num jogo contra o Salgueiros em 1958 (pode ver-se no site oficial, num dos artigos dedicados a Matateu), os que quase lotaram o estádio em 1970, nos jogos contra Guimarães e Tirsense, os que festejaram o 2º lugar da época de 72/73, no último jogo, contra o Barreirense, para já não falar dos que invadiram as Salésias no célebre jogo final de 1955… apesar de até na Luz haver muitos (sim, muitos! Também está documentado…) adeptos azuis, à espera de um deslize do Benfica.

Ficam no ar algumas perguntas: O que aconteceu ao público do Belenenses? Porque o Restelo, nos últimos anos, se encontra quase deserto? O que arrastava as pessoas para o nosso estádio e, tendo desaparecido, agora as deixa em casa? Não gostávamos, todos, de ver o nosso Estádio com aquelas molduras humanas? O que se pode fazer para que retornem e SE VOLTEM A CRIAR AQUELES GRANDES AMBIENTES?

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