quarta-feira, novembro 10, 2004

A DÉCADA DE 70 - PARTE VII – O FIM DO IMPÉRIO



Pode parecer estranho o título com que finalizo a década de 70 – “O Fim do Império” – mas é isso mesmo o que imediatamente me surgiu para exprimir o que sinto ao olhar para os últimos anos da década de 70 (e, já agora, o início da década seguinte, culminando no desastre de 81/82).

Foi, de facto, o esboroar da noção orgulhosa e altaneira do clube grande, um dos grandes, que mesmo na derrota sempre afirmava essa condição. Foi um tempo de anarquia, de um clube tantas vezes (aparentemente) ao abandono, desleixado, mal cuidado, a vulgarizar-se. Foi a perda de projecção (embora incomparavelmente superior à de hoje), perda visível, sensível, dolorosa e quase diária, algo de semelhante às súbitas “quedas” dos aviões nos poços de ar. Foi a viragem do ambiente e do “espírito” nos jogos que fazíamos em casa, face ao Benfica e ao Sporting, no que respeita ao público, em que fomos começando a estar em desvantagem, e face a esses dois clubes e ao F.C.Porto, no que respeita à atitude da nossa equipa, até então ofensiva, fazendo questão de ter a iniciativa atacante, a partir daí, cautelosa, retraída, mais defensiva.


A equipa de 1977/78


Ainda assim, a época de futebol de 77/78 trouxe-nos alguns bons momentos, durante cerca de 2/3 do Campeonato – bons momentos em termos de resultados, que não de exibições. Foi a mais ou menos célebre equipa do “patinho feio”, comandada por António Medeiros (que já evocámos, com gravuras, há alguns meses atrás). O estilo de jogo da equipa pode ser facilmente compreensível se dissermos que em 30 jornadas marcámos 25 golos e sofremos 21…. (a defesa foi a 2ª melhor, ex-aqueo com o campeão F.C.Porto; já relativamente ao ataque, só houve três piores).

No entanto, de certo modo, resultava; e no final da 1ª volta a equipa engrenou, começou a conquistar pontos e a galgar lugares com 5 vitórias consecutivas, postando-se em 3º lugar. Foi nessa posição que, à 18ª jornada, recebemos o Benfica, então líder, com 4 ou 5 pontos de vantagem sobre nós. Se ganhássemos – dizia-se – ficaríamos a 2 ou 3 pontos e a candidatura ao título passaria objectivamente a ter razão de ser.

Houve uma boa assistência, embora com algumas clareiras nas centrais: terão estado umas 35.000 pessoas. Além de adeptos do Belenenses e do Benfica, havia alguns do Sporting e até do Porto, naquele dia desejosos de ver o Benfica perder, pois o seu domínio já “chateava”. O Benfica terminaria nesse ano a impressionante sucessão de séries de 3 títulos, intervalados por um do Sporting. O FC.Porto pôs fim a um jejum de 19 anos e, a partir de então, foi o que se sabe… Eles deram o salto para a frente… nós demos um salto…para trás…e cavou-se um fosso progressivamente maior.

Jogámos cautelosamente, como era costume nessa época. O empate justificou-se perfeitamente mas fica na memória um cruzamento, salvo erro de Isidro, mesmo a terminar o jogo, que dois avançados azuis não conseguiram encostar (pois só isso faltava) para dentro da baliza…

Ainda assim, as coisas continuaram bem mais algumas jornadas, até perdermos em casa com o Braga. A partir daí, decaímos, até às 2 ou 3 últimas jornadas, e terminámos em 5º lugar, sem acesso às competições europeias. O Porto e o Benfica fizeram 51 pontos; o Sporting, 42; o Braga, 38; o Belenenses, 36; o V.Guimarães e o Boavista, que se lhe seguiram, 31 e 28, respectivamente.

No ano seguinte começámos bem o Campeonato, agora com uma toada mais atacante, destacando-se, nas primeiras jornadas, uma goleada por 7-1 sobre o…Braga, apesar de terem sido eles a inaugurar o marcador, e uma vitória por 1-0 sobre o Benfica (golo de Vasques na 1ª parte), jogo a que assisti na Superior, rodeado de 80 ou 90% de público benfiquista – uma parte do qual teve um comportamento o mais ordinário e bestializante que se possa imaginar…

Mas os adeptos pareciam minguar; a equipa começou a oscilar e a descer na tabela, António Medeiros acabou por sair, e terminámos instavelmente em 8º lugar.

Na época seguinte, foi Juca o treinador. Não tenho nenhumas saudades. Obteve-se um 5º lugar (que então sabia a decepção), novamente sem acesso às competições europeias, e muito mau futebol (é raro, nesse lugar, haver um goal-average de…33-38). Lembro apenas com satisfação uma vitória por 2-1 sobre o Sporting, num Restelo quase cheio (uma das 2 únicas derrotas sofridas pelos campeões dessa época).

E entrámos na década de 80. Começou logo com um grande susto – um 11º lugar, a vida complicada até ao fim, a permanência assegurada na penúltima jornada, depois de um sobressalto e consequente reacção da equipa. O peso que as camisolas do Belenenses tinham, ainda, conseguiu funcionar. E veio a triste época de 81/82, com a impensável 1ª descida de divisão. Voltámos, reerguemo-nos, os anos de 80 ainda trouxeram algumas alegrias mas… já era outro Belenenses.

Já não era o fidalgo, mesmo que arruinado. Era um clube que a imprensa, cada vez mais, tratava como os outros. Tinha sido o desfazer do império. Mais uma vez, só que em condições agora muito adversas, sem o prestígio de outrora, o Belenenses tinha que lutar pela sobrevivência, garantir algum ar para poder respirar, conservar algum espaço vital...

Terminamos assim a nossa digressão pelo passado a que assistimos (outro, anterior a nós, é, porém, aludido em outro tipo de artigos). Pode dizer-se que acaba de forma tristonha... é verdade. Mas se os factos que contei agora culminaram em tristeza, só um pateta alegre os contaria com felicidade. Falei com alegria ao referir-me a factos felizes, usei o tom contrário quando os factos foram tristes. Seja como for, eu assisti a um Belenenses grande comparativamente com o actual mas nasci, curiosamente, no ano em que os grandes infortúnios, com o resgate do Estádio, começaram. Nunca vi o grande, grande Belenenses. Tenho, entretanto, a noção do que este clube representou; e tenho pena que a memória seja tão curta, e sejam os seus próprios adeptos a vulgarizarem o conceito que dele fazem.

Este trabalho, contudo, não acaba aqui. Faremos uma síntese conclusiva destas 4 décadas que percorremos; tentaremos caracterizar o tempo presente, como efeito dessas causas pretéritas; avançaremos então com a nossa visão e as nossas propostas para o futuro do clube.

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