quarta-feira, dezembro 15, 2004

SINTETIZANDO O PASSADO - Parte I – De 1919 a 1940


Para finalizar a nossa viagem pelo passado, e antes de caracterizarmos o presente e perspectivarmos o futuro (afinal o objectivo e ponto de chegada e objectivo deste trabalho), com o que nos parecem ser os direccionamentos que o clube deveria seguir, propomo-nos fazer um breve resumo de 85 anos de história (não nos cingindo, pois, aos cerca de 35 anos que temos de memórias pessoais). Lembraremos as diferentes fases da vida do Belenenses, os seus triunfos e desaires, os seus sucessivos e distintos estados de alma e de saúde, os seus problemas e desafios. Pensamos que é um resumo que nunca foi feito, e em que se coligem dados que geralmente não se têm em conta, por se acharem dispersos

Mesmo numa síntese, a extensão do tema leva-nos a uma divisão em 4 partes. Começamos hoje, grosso modo, pelas primeiros 20 anos.

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Surgido em 1919, o Belenenses, embora tenha tido o incentivo de uma ou outra individualidade prestigiada, começou por ser sentenciado, e alvo de profecias de morte rápida, nomeadamente por pessoas afectas ao Benfica, e considerado como um clube de gente de classes humildes, de quase arruaceiros – os “rapazes da praia”. Na verdade, o Belenenses apareceu como um clube lutador, rebelde, inconformado e ambicioso.

Cheio de vitalidade, com o sangue na guelra, o Belenenses, movido pela alma heróica e animosa dos seus fundadores, por um amor intensíssimo ao ideal clubista (hoje quase inimaginável), e por um dinamismo pujante e insaciável, partiu para o combate com bravura e valentia inquebrantáveis. Nunca se temia um confronto, nunca se aceitava conformadamente uma derrota, exigia-se de adversários e instâncias dirigentes o mesmo desportivismo galhardo e genuíno, franco e leal, que caracterizava as gentes de Belém. “Quando Belém acaba um jogo, há sempre lágrimas. É o clube popular por excelência. O seu entusiasmo sincero e comovedor, cheio de ingenuidade talvez, é assim enorme como um gigante de alma primitiva”.

Ávidos de todas as conquistas, sonhadores de todos os horizontes, os belenenses não descansam nem adiavam propósitos: chegaram para disputar palmo a palmo todas as competições futebolísticas vigentes (logo na primeira época, foram finalistas do Campeonato de Lisboa), procuraram rapidamente os contactos internacionais (primeiro jogo internacional com o Sevilha, em 1921), alargaram-se quase de imediato à prática de várias modalidades, nomeadamente as mais populares, além do Futebol (Atletismo e Ciclismo em 1921; Natação, em 1925; Pólo Aquático, em 1926; Ténis de Mesa, em 1927, Basquetebol, Râguebi e Hóquei em Campo, em 1928; Andebol, em 1932), expandiram-se sob a forma de filiais e delegações (as 2 primeiras em 1927; 6 anos depois, tinham crescido para 27!), albergaram desde logo figuras míticas do futebol português (o fundador Artur José Pereira, durante décadas considerado o melhor jogador nacional de todos os tempos; Pepe, o jovem talento, cuja morte, em 1931, deu lugar à primeira grande lenda do desporto português, e à maior manifestação de pesar no campo futebolístico aquando do seu funeral, acompanhado por milhares de pessoas; Augusto Silva, que se tornou capitão da Selecção Nacional em 1929 e o jogador mais com mais internacionalizações de sempre, cinco anos depois).

Este período culmina em 1933 e pode ser dividido em duas grandes metades:

1) Até 1926, incluindo a conquista de Taças importantes (Taça Mutilados da Guerra, Taça O Século, Taça Camões, Sporting / Belenenses / F.C.Porto...), taças realmente muito importantes na época - a ponto de serem tão ou mais ambicionadas que as vitórias em campeonatos - e a perseguição da conquista de um Campeonato, que ia fugindo por pouco, até à vitória no Campeonato de Lisboa (na altura, quase tão relevante como o Campeonato de Portugal) desse ano.

2) A partir de 1926, inclusive, conquistas cada vez mais relevantes e repetidas.

Praticamente todos os anos havia um feito relevante no futebol, como se pode ver em seguida:

1920 – Vice Campeão de Lisboa.
1921 – 1º jogo internacional, com vitória 2-0 sobre o Sevilha. Conquista da Taça Sporting / Belenenses / F.C.Porto
1922 – Primeiro jogador do Belenenses na Selecção Nacional. Conquista da Taça O Século
1923 – Posse definitiva da imponente Taça dos Mutilados da Guerra
1924 – Conquista da Taça Camões
1925 – Vice Campeão de Lisboa
1926 – Campeão de Lisboa. Vice Campeão de Portugal
1927 – Campeão de Portugal. Vice Campeão de Lisboa
1928 – O Belenenses, com 4 atletas, é o clube mais representado na Selecção Nacional presente nos Jogos Olímpicos, no seu primeiro grande momento
1929 – Campeão de Portugal. Campeão de Lisboa. Pepe marca 10 golos num jogo do Campeonato de Lisboa, o que constitui record de todos os campeonatos. Pepe obtém 36 golos no Campeonato de Lisboa, marca máxima de todos os Campeonatos. O Belenenses passa a ser o clube com mais jogadores representados na selecção nacional de futebol, o que manterá até 1935. Augusto Silva torna-se capitão da Selecção Nacional.
1930 – Campeão de Lisboa, com record de golos marcados num só campeonato
1931 – Vice Campeão de Lisboa
1932 – Campeão de Lisboa. Vice Campeão de Portugal
1933 – Campeão de Portugal. Vice Campeão de Lisboa. Pela 6ª vez consecutiva, melhor ataque do Campeonato de Lisboa.

Em 1933, com 3 vitórias no Campeonato de Portugal (e ainda finalista em 2 outras edições e 4 vitórias no Campeonato de Lisboa), com o maior número de jogadores presentes na Selecção Nacional, o Belenenses é o 1º clube nacional em termos de poderio e sucessos futebolísticos (no mesmo período, o Benfica ganhara 2 Campeonatos de Portugal e 2 Campeonatos de Lisboa; o Sporting, 1 Campeonato de Portugal e 5 Campeonatos de Lisboa; o F.C.Porto, 3 Campeonatos de Portugal). Não havia dúvidas: afirmara-se claramente como um grande clube, uma força temida e respeitada. O entusiasmo e mística dos seus jogadores e da sua gente era proverbial. A celebração dos seus 14 anos de vida, foi um reflexo vibrante dessa natureza e dessa pujança. (Hoje em dia, e desde há umas duas décadas, com pequenas excepções, tem-se instalado exactamente o espírito oposto!... E essa, quanto a nós, é a grande doença do Clube).

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Começa então, até ao início da década de 40, um período de obtenção e alargamento de estruturas, de ganhar corpo e solidez, de alargar o campo dos seus sucessos. É um ciclo de grandes realizações patrimoniais:

1931 - Inauguração do corpo central de bancadas no Estádio das Salésias. Abertura de delegação na baixa lisboeta.
1934 - Bancadas do Estádio das Salésias são aumentadas. Construção de Pista de Atletismo nas Salésias, a melhor do país.
1936 - Bancadas do Estádio das Salésias são aumentadas. Construção de Pista de Atletismo nas Salésias, a melhor do país
1937 - Salésias tornam-se 1º campo relvado de Portugal
1938 - Estádio das Salésias, o melhor de Portugal, é pela primeira vez palco de jogo da selecção nacional de futebol, que ali disputará todos os encontros realizados em Portugal até 1942
1939 - Estádio das Salésias aumenta capacidade para 21.000 pessoas
1940 - Inicia-se publicação de boletim mensal. Beneficiação da pista de Atletismo nas Salésias
1941 - Iluminação do Campo de Basquetebol nas Salésias (custeada integralmente por Acácio Rosa)

É, também, um ciclo de conquistas em outras modalidades além do Futebol:

1934 - Militão Antunes vence 1º Lisboa-Porto em Ciclismo
1936 - Campeão de Lisboa em Basquetebol Feminino. Campeão de Lisboa de Corta Mato, por Equipas. João da Silva Marques, Recordista Ibérico, em Natação. Joaquim Manique ganha o Campeonato Nacional de Fundo, em Ciclismo.
1937 - Campeão de Lisboa em Basquetebol Feminino. Campeão de Lisboa em Ténis de Mesa. João da Silva Marques, recordista nacional de 100, 200 e 400 metros bruços. Maria Júlia Silva, Campeã Nacional em Atletismo e Natação
1938 - Campeão de Lisboa em Basquetebol Feminino. Campeão de Lisboa de Ténis de Mesa. Campeão Nacional de Corta-Mato por Equipas. Manuel Nogueira, Campeão Nacional e de Lisboa de Corta Mato. Estafeta Cascais-Lisboa em Atletismo. Joaquim Manique, Campeão Nacional de Fundo, em Ciclismo
1939 - Campeão de Portugal em Basquetebol Masculino. Campeão de Portugal em Basquetebol Feminino. Campeão de Lisboa em Basquetebol Feminino (3ª vez consecutiva). Campeão Nacional de Corta-Mato por Equipas. Manuel Nogueira, Campeão Nacional de Corta Mato. Lucília Silva, Campeã Nacional em Basquetebol e Atletismo
1940 – Campeão de Lisboa de Andebol (de 11). Campeão Nacional e de Lisboa de Corta-Mato por Equipas. Manuel Nogueira, Campeão Nacional de Corta Mato e Campeão Nacional de 5.000 metros (pela 3ª vez) e 10.000 metros (pela 2ª vez) em Pista
1941 - Campeão de Lisboa de Andebol (de 11). Campeão de Lisboa, em Râguebi. Campeão de Lisboa de Juniores, em Basquetebol Masculino

Deve-se notar que, na altura, em muitas modalidades, ainda não havia Campeonatos Nacionais, pelo que o Campeonatos de Lisboa tinha quase a importância de um título nacional, pois fora do distrito de Lisboa a única grande força era o F.C.Porto.

É, ainda, um ciclo de progressivo e pioneira abertura ao desporto feminino (Natação, Atletismo, Basquetebol, Ciclismo, Hóquei em Campo...).

É um ciclo, enfim, de aumento significativo de sócios:

1926 – 1 660
1934 – 2 900
1936 – mais de 4 000
1945 – 6 800

No Futebol, como consequência dos investimentos referidos, o Belenenses teve menos sucesso do que nos anos anteriores mas, tanto no Campeonato de Lisboa, como no Campeonato da I Liga ou Campeonato Nacional, só uma vez baixou do 4º lugar, conquistou algumas 2ªs posições e foi habitualmente 3º classificado, continuando a marcar boa presença no Campeonato de Portugal até à sua última edição em 1938, e na sua sucessora, a Taça de Portugal:

1934 – 3º no Campeonato de Lisboa (melhor defesa)
1935 – 4º no Campeonato da I Liga mas chegando à última jornada em condições de ser Campeão e tendo tido o melhor ataque e a maior diferença de golos. 3º no Campeonato de Lisboa
1936 – 4º no Campeonato da Liga. Finalista do Campeonato de Portugal. 3º no Campeonato de Lisboa
1937 – Vice Campeão Nacional, lutando pelo título até à última jornada. Semifinalista do Campeonato de Portugal. 4º no Campeonato de Lisboa
1938 – 3º no Campeonato de Lisboa
1939 – 4º no Campeonato Nacional. 2º no Campeonato de Lisboa
1940 – 3º no Campeonato Nacional, com a melhor defesa. Finalista da Taça de Portugal. 3º no Campeonato de Lisboa

Com tudo isto, o Belenenses adquirira uma força sólida e estruturada, encarando com optimismo o futuro.

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