quinta-feira, janeiro 13, 2005

Por um fio

(Artigo da autoria de Eduardo Torres)

Sempre me irritou a célebre frase “este ano está a trabalhar-se de uma maneira diferente”, não só por ser exagerada e controversa (em algumas coisas, v.g. empréstimos, até se trabalhou pior) mas sobretudo porque cria nos responsáveis, jogadores e técnicos uma cultura de facilitismo-porreirismo, de que qualquer coisinha sofrível é fantástica. Os resultados estão à vista: jogadores, técnicos e responsáveis ainda há 3 dias atrás estavam orgulhosos da sua perfomance; e, mesmo depois da derrota com o Gil Vicente, e do lugar quase dramático em que ficámos, a meio do campeonato, ainda nem se aperceberam de que as coisas estão muito feias, e de que há muitas razões para descontentamento. Com frases como essa, os adeptos perderam parte da legitimidade e da razoabilidade para protestar, pois foram responsáveis em inculcar em jogadores e treinadores que o Belenenses é um clubezinho em que tudo o que seja não descer de divisão é perfeitamente aceitável e até bom.

Sempre me irritou a célebre frase “se o Professor Carvalhal diz que é assim, ele sabe melhor do que ninguém”, não porque, apesar de tudo (i.e., da impressão que tenho dele como pessoa), não esperasse que ele fizesse um pouco melhor, mas porque, como escrevi inúmeras vezes, os endeusamentos, de quem quer que seja, invariavelmente são perigosos; e também porque a dependência excessiva de um treinador dá sempre maus resultados. As consequências estão à vista: com isso, somente se aumentou a vaidade natural do Carvalhal. Contribuímos para que ele prolongue o seu delírio narcisístico, nem reparando que está a conduzir o Belenenses para uma situação catastrófica. Ainda esta semana os jornais desportivos continuam a dizer que os adeptos do Belenenses “admiram e apoiam muito Carvalhal”!!! Se calhar por terem caído no mesmo erro, e terem ido a correr renovar com ele por mais dois anos e meio (espero, como diz com muito espírito o Abel Vieira, que não seja para o projecto “Regresso à 1ª divisão”...), quando os resultados eram medíocres (eu sou a favor da continuidade...mas do que ofereceu garantias), alguns responsáveis estão sem jeito para dar o apertão, ou o murro na mesa que se impõe. E se perdermos os próximos jogos do Campeonato, o que é que fazemos com este Carvalhal? Infelizmente, a hipótese é muito mais que académica. Vamos pagar-lhe dois anos e meio? Vamos dar a um outro treinador um plantel feito à medida do Carvalhal? Lembro-me de num artigo a que dei o título “Perfis” ter dito que mais do que 2-3 jogadores à medida especial do treinador é um disparate, o que reiterei em vários comentários. Talvez agora soe bastante mais a razoável e prudente. O plantel só serve para um tipo de jogo. É evidentemente desequilibrado.

Sempre me irritou a euforia com as vitórias contra equipas de escalões secundários na pré-época. Adeptos que se prezem de um clube que se quer com grandeza, deveriam evitar essa menoridade. Mas, tristemente, grande parte, talvez mesmo a maior parte dos sócios e adeptos, perdeu completamente a noção do que é o Belenenses. São mais adeptos do futebol do que do Belenenses, a quem não amam o suficiente para conhecer a sua identidade. Deixam-se manipular pelos meios de comunicação social. Estão em lógica consonância com dirigentes de capacidade e ambições medíocres. Por isso é que elegeram, e poderiam alegremente voltar a eleger um outro Matias ou um outro Ferreira de Matos, com um carregamento de emprestados e a conversa da treta da gestão empresarial (de mercearia, digo eu; porque a conversa da empresa, no Belenenses, é sempre sinónimo de frieza e de desapaixonamento, e não de eficácia e rigor).

Infelizmente, infelizmente mesmo, o recurso a emprestados do Benfica e do Sporting (ou do Fc.Porto) está a dar o resultado de sempre. Repito: na época de 90/91, com 2 emprestados do F.C.Porto, descida de divisão; na época 94/95, no primeiro ano de José António Matias, com 2 emprestados do Benfica e outros 2 do F.C.Porto, evitou-se milagrosamente a descida na penúltima jornada, com situações de que é melhor nem falar... Este ano, com 2 emprestados do Sporting e outros 2 do Benfica, estamos na posição em que estamos. Será um acaso? Pode alguém dizer que qualquer dos 4 emprestados deste ano passou sequer da mediocridade, apesar do entusiasmo maluco que suscitaram em muitos? Ao menos, seja-se honesto e coerente, reconhecendo com grandeza, como fez, por exemplo, o amigo Lacerda. Ao menos, que os factos objectivos façam pensar os entusiastas dos empréstimos, já que PARECEM não gostar nem ter o conhecimento suficiente do clube para não repudiar imediata e espontaneamente esse tipo de recurso aos nossos rivais. Sim, porque – e esse é o cerne da questão – o Belenenses caminhará para o total esvaziamento, quando perder a noção de que os seus verdadeiros grandes adversários são o Sporting e o Benfica. Tristemente, muitos já não sabem - nem querem saber. Falam dos 3 grandes com a maior desenvoltura. Sabem mais da história do Benfica do que da nossa, que imaginam ter começado no fim da era Matias. Empolgam-se com os duelos com o União de Leiria e o Penafiel, que consideram nossos iguais, e o seu sonho é ser o Boavista II ou o Braga II! Ao que chegou o Belenenses!...

Sim, na verdade, o Belenenses, tal como alguns de nós (ainda) o conhecemos, ou soubemos que foi, está por um fio. Não me digam imediatamente que sou pessimista, por favor. Quando um doente se encontra em estado grave, é uma tremenda irresponsabilidade escamotear a situação, e o optimismo pode tornar-se criminoso. Olhemos os factos de frente: são já escassas as possibilidades de voltarmos a ter um Belenenses forte e altaneiro, em vez de um rival do Moreirense, do Estoril ou do Esperança de Lagos. E as poucas possibilidades que temos, dependerão de haver quem, à frente do clube, tenha muita inteligência, coragem, força e lucidez para mudar a sério. Se não for assim, perde-se a razão de ser do Belenenses. Numa cidade cosmopolita como Lisboa, nem haverá a razão de ser de que é “o clube da nossa terra”. Seria o fim. A luta, não o ignoremos, é de vida ou de morte.

(Este texto foi escrito antes do jogo com o Sp. de Pombal. Espero que ganhemos mas que isso não nos faça perder a noção da gravidade da situação)

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