sexta-feira, outubro 28, 2005

Gente séria é outra coisa

L.Rodrigues

Desde miúdo, nunca “fui à bola” com o Benfica. Como aliás nunca gostei de nenhum dos “3 estarolas”, apesar de suportar melhor o Porto, pois as únicas pessoas que conhecia adeptas do Porto era a minha família de Entre-os-Rios, com quem eu gostava muito de passar férias. O Benfica iniciou o seu célebre interregno de títulos em 1994, e daí em diante tive muitas oportunidades para brincar com os meus amigos que preferem o encarnado. Sem noção da realidade, o Benfica foi caindo num poço do qual mal se via o fundo.

A chegada de Luís Filipe Vieira ao comando do Benfica, veio trazer uma alma nova ao clube. De facto, tenho de lhe dar o mérito de ter congregado os benfiquistas e tudo fazer pela causa encarnada. Mas como é habitual no futebol, muitas coisas cheiram mal: então o homem é presidente do Alverca, e o que ele quer na realidade é ser presidente do Benfica??? então o homem é sócio de Benfica, Porto e Sporting, e quer ser presidente do Benfica???...


Bom, problema deles, pensei eu. Mas Vieira começou o Circo. Primeiro veio a afirmação que, “estando nas lonas”, a melhor aquisição do Benfica seriam as colocações na Liga. Depois, voltou-se a assistir a uma forte inclinação das arbitragens a favor do clube da Luz (superior à habitual inclinação das arbitragens por 3 clubes portugueses).

Tudo isto foi andando, o Benfica realmente foi-se fortalecendo (sabe-se lá com que dinheiro) e o ano passado, aproveitando a conjuntura, tentou agarrar o título que fugia há 11 anos. Tinham, de facto, o treinador ideal para isso, e o plantel mais forte, talvez, dos últimos 10 anos. Com muito suor e labor, e as costumeiras ajudas (uma vez mais para os três), o Benfica chegou à recta final da temporada em condições de obter o título. Por outro lado, e algo que me estava a começar a encher de enfado, estava-se a criar um mito sobre um jogador infeliz que morreu em campo com a camisola do Benfica 2 dias antes de ser dispensado, que era insultado por tudo e todos e personna non grata no clube… não gosto de lágrimas de crocodilo, muito menos de homenagens quinzenais a alguém que queriam ver pelas costas.

Continua...

Surge então, a poucas jornadas do final, um jogo que ficará célebre: um Estoril-Benfica disputado no Algarve por opção, pasme-se, do Estoril. Segundo o presidente da Estoril SAD, António Figueiredo (curiosamente ex-dirigente do Benfica… estranho), o Estoril precisava da receita. Estranho, se atendermos a que na altura o Estoril lutava em boas condições para não ser despromovido, e a despromoção teria um custo muito superior a jogar com o Benfica na Amoreira. Portanto, as comadres entenderam-se, e lá se foi jogar para o Estádio do Algarve. Isto a mim cheira-me mal, numa altura em que o Estoril precisava de pontos, e com tantos Estádios na região de Lisboa disponíveis. Terá o Estoril algum sócio que more no Algarve?

Mas se ficasse por aqui a história desse jogo, estava tudo muito bem. O pior é que o jogo em si voltou a ser “estranho”. Rui Duarte, lateral direito do Estoril, um dos melhores da competição, tinha quase 30 jogos efectuados na temporada e apenas um cartão amarelo. E dizia-se, há já muito tempo, que estava a caminho da Luz. Estranho, portanto, que logo aos 5 minutos tenha dado uma “passa” tão clara, mas tão clara, que parecia um jogador das “escolinhas”. Amarelo. Mais estranho ainda é que, aos 20 minutos, quando um jogador do Estoril já se havia enganado, e colocado os canarinhos em vantagem, Rui Duarte tenha dado outra passa tirada a papel químico, vendo o segundo amarelo e sendo expulso. Calmamente abandonou o campo, com cara de quem tinha cumprido o seu serviço. O Benfica acabou por ganhar.

Estranhei a pré-época avançar e Rui Duarte, grande revelação e fundamental no título encarnado, ser arrastado com o Estoril para a 2ª Divisão. Mas, no último dia de inscrições, Rui Duarte teve o prémio que merecia: não tendo lugar no plantel do campeão que ajudou a fazer, foi usado como moeda de troca para a aquisição do lateral Nelson ao Boavista. Que bonito, o Benfica a utilizar um jogador do Estoril, que por acaso deu uma ajuda preciosa para o título, como moeda de troca com o Boavista.

Gente séria é outra coisa.

Posso dizer que esse jogo me tirou, absolutamente, do sério. E fez-me perceber que, se calhar, anda alguém a tentar dominar o futebol português de uma forma mais descarada do que aquela a que estávamos acostumados.

Daí que, esta semana, para além das azias que o Belenenses me tem dado, tenho potenciado essa azia com duas situações que envolveram, quem mais poderia ser, o clube da Luz.

Primeiro, a história dos guarda-redes lesionados e da importância para o futebol português que o Benfica pudesse inscrever um novo guarda-redes, alterando-se para tal os regulamentos. Todas as equipas, no início da temporada, podem inscrever 25 jogadores, sendo que podem ainda jogar mais 1 ou 2 juniores não inscritos. Quem tem equipas B, pode ainda fazer “rotação” de jogadores entre equipas, como é o caso do Benfica.

Normalmente, todas as equipas inscrevem 3 guarda-redes. Regra geral, uma vez que os guarda-redes têm pouca propensão a lesões ou castigos, as equipas apostam num guarda-redes claramente titular, um suplente que faz o lugar de forma satisfatória e o 3º guarda-redes é um ex-júnior ou um jovem guarda-redes em quem se depositam esperanças. Quem tem equipa B, tem ainda mais soluções… como é o caso do Benfica...

Ora o Benfica teve a infelicidade de ver os seus 2 principais guarda-redes lesionarem-se. Pode acontecer a qualquer equipa. Tem jogado um jovem chamado Rui Nereu que tem dado boa conta do recado, e mesmo que não desse, que fosse um “nabo”, o erro tinha sido do Benfica ao inscrevê-lo e não um melhor. Pois se o 3º guarda-redes é inscrito inicialmente, mas quando é necessário se contrata outro, então para quê ter um 3º guarda-redes???

Mas saem então à rua os paineleiros encarnados, a tentar defender o indefensável. E ouvem-se pérolas como “Rui Nereu é um ex-junior” (como se, por absurdo, o Tuck não seja também um ex-junior) ou que, em situação idêntica, e num gesto altruísta, o Milan emprestou um guarda-redes (Abbiati) à Juventus de forma a que o adversário não ficasse claramente inferiorizado com a lesão de Buffon, contribuindo assim para o espectáculo. Como se a preocupação do Milan fosse essa, e não poupar umas largas dezenas de milhares de contos, que tão bem podem ser investidas em sectores mais carenciados. Aliás, imagino um tubarão como Sílvio Berlusconi, de lágrima ao canto do olho a ver Buffon lesionado e a pensar que deveria ajudar o seu rival…

Enfim, uma parafernália de argumentações, para justificar o injustificável: alterar os regulamentos portugueses que impedem inscrições fora da janela de transferências, mesmo de jogadores desempregados. Pessoalmente, até sou contra esta situação, mas se as regras existem, são iguais para todos. E há ainda o caricato da situação: se o Benfica contratásse um guarda-redes de outro clube, como parecia ser a intenção, então esse outro clube ficaria com um guarda-redes a menos, pelo que teria de contratar outro… bom, entraríamos numa pescadinha de rabo na boca, que nunca mais saíamos daqui. Portanto, em suma, o Benfica acha que merece ter, ao contrário dos outros, regulamentos dinâmicos, consoante as suas necessidades.

Gente séria é outra coisa.

Por último, e a última situação que veio a público: a clara vontade do Benfica de, de forma pública, corromper o Vitória de Setúbal, comprando os 6 pontos em disputa nos jogos entre as duas equipas. Para tal, compromete-se a “emprestar” o dinheiro que o Vitória precisa para fazer face aos problemas de tesouraria, garantindo em troca direito de opção sobre os passes dos jogadores… ora se pensarmos que esses jogadores, não recebendo ordenado apenas durante mais meia dúzia de dias, ficam livres de compromissos e, se o Benfica quiser, poderá contratá-los sem qualquer custo… parece estranho. Parece mesmo muito estranho.

Gente séria é outra coisa.

O Benfica está claramente a “comprar” o domínio do futebol português das mais diversas formas. Não está a fazer algo que nunca ninguém fez, atenção! Mas está a fazê-lo, e de forma descarada. Cabe aos adversários, entre os quais o Belenenses, estarem atentos e agirem em conformidade. Mas também, quando se joga num campeonato cujo nome e patrocinador se dedica a uma actividade ilegal no nosso país, tudo é possível...

GENTE SÉRIA É, DE FACTO, OUTRA COISA!

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