terça-feira, novembro 28, 2006

Entrevista a Jorge Jesus

L.Rodrigues

Entrevista a Jorge Jesus, publicada no Jornal do Belenenses deste mês. Oportunidade para saber quais as primeiras impressões do treinador sobre o Belenenses, a sua visão do futuro, bem como a sua opinião sobre o futebol português de uma forma global:

Veio para o Belenenses num projecto a 3 anos, que comtemplava a subida na 1ª época, manutenção na 2ª e lutar pela Europa na 3ª temporada. Acabando por ficar na Liga Bwin, quais os novos objectivos?
Bom, o objectivo imediato passa pela manutenção, isto porque o plantel foi construído para a 2ª Liga, e mesmo assim com limitações decorrentes do Caso Mateus. O projecto mantém as mesmas linhas, com a única diferença de este ano estarmos a jogar na 1ª Divisão. Na 3ª época, aí sim, pensamos vir a lutar pela Europa. Quero que os sócios saibam que o meu contrato, sendo por 3 épocas, é por objectivos, ou seja, se os objectivos não forem cumpridos, o Belenenses não tem qualquer obrigação para comigo. Vim para um projecto desportivo a 3 anos, e não para ganhar dinheiro com um contrato de 3 anos.

Acredita que o Belenenses pode lutar consistentemente pela Europa?
Claro que sim, sem dúvida nenhuma! O Belenenses é um clube muito grande e tem todas as condições para o conseguir. Mas a sua grandeza também o limita, pois o clube dispersa-se em muitas coisas e nos últimos anos tem tido dificuldade em fazer valer a sua dimensão.

Os últimos 2 treinadores que iniciaram projectos ambiciosos no Restelo, acabaram por saír meses depois, deixando feridas profundas no clube. Sente que corre esse risco?
Não. O projecto é ambicioso, mas não é ambicioso para hoje ou amanhã. É um projecto a 3 anos, que pretende um crescimento competitivo gradual. Estes dois primeiros anos serão anos de estabilização do clube.

A maioria do plantel da época transacta permaneceu no clube. Sente que estes jogadores têm mais para dar?
Sim. Aliás, foi nosso sentimento, e dos jogadores também, que havia mais para dar e um nome a limpar, pelo que mesmo que caíssemos na 2ª Liga, estes jogadores iriam trazer o Belenenses de volta à Liga Bwin. E agora, eles têm demonstrado que têm muito para dar, e no jogo com o Leiria o público mostrou estar a reconhecer isso, com uma atitude fantástica, mesmo numa derrota.

E o plantel, tem-se adaptado bem aos novos métodos de trabalho?
Razoavelmente... entre o que o treinador quer e o que os jogadores assimilam, vai sempre uma diferença. E a minha forma de treinar exige que os jogadores sejam muito inteligentes, pelo que este é um processo gradual que acho que está a dar frutos.

Em relação a Janeiro, haverá reajustamentos no plantel?
Em todas as equipas acabam sempre por haver reajustamentos na reabertura de mercado. E nós nunca escondemos que este plantel, até pelas contingências da pré-época, foi o plantel possível e necessita de retoques. O plantel de que dispomos actualmente permite apenas lutar pela manutenção. Pedir mais do que isso é um erro, mas nós sabemos que temos os adeptos do nosso lado e percebem o que podem esperar da equipa.

Continua...

As duas derrotas em casa ante o Boavista e União de Leiria foram resultados inesperados, mas onde teremos sido infelizes...
O jogo com o Leiria custou-nos especialmente, porque não tivemos possibilidades na 2ª parte de inverter o resultado, pois estavamos convencidos que não perderíamos aquele jogo, mas o temporal obrigou-nos a um estilo de jogo que não é trabalhado... mas a equipa teve uma postura sensacional, e uma vontade e um carácter que fizeram com que os adeptos o reconhecessem e depois do jogo ficámos sensibilizados com a ovação à equipa pela postura, o que transmitiu muita confiança aos jogadores. Quem entrasse no Restelo no final do jogo, pensaria que tinhamos vencido. Este comportamento dos nossos adeptos dá-nos muita força para cada vez estarmos mais fortes.

Qual o seu sistema táctico preferido?
Bom, o meu sistema táctico preferido é o 3-4-3... no principio da minha carreira fiz um estágio com a minha referência, quer como jogador, quer como treinador: Johan Cruyff. Estive um mês com ele em Barcelona e no início da minha carreira jogava sempre em 3-4-3. É um sistema muito difícil de treinar, e nem todos os treinadores sabem o que é um 3-4-3. Teoricamente têm, mas colocá-lo em prática é diferente. E também para os jogadores é difícil, porque não é um sistema táctico usual e exige muitas flutuações tácticas aos jogadores.

Silas é o capitão nesta temporada. Sente que é o homem certo?
Não sei... foi uma decisão do grupo, que votou no Silas e no Sousa como os mais indicados para a função, sendo que eu tinha a última palavra, mas não quis fugir da decisão deles. Para mim um capitão não é um jogador que usa a braçadeira. É a minha cabeça dentro do campo, são os meus olhos dentro do campo, tem de saber tacticamente o que tem de transmitir aos colegas... para mim, um capitão é um 2º treinador. Tem sido o Silas, mas o Sousa, o José Pedro, o Rolando e o Romeu são os 5 capitães de equipa.

Os jogadores conhecem a responsabilidade de envergar a camisola do Belenenses?
No início os jogadores estavam muito nervosos, por causa dos resultados da última época. Quando jogavam em casa, entravam muito nervosos. Mas neste início de temporada os adeptos têm mostrado muito carinho e aquele jogo com o Leiria foi determinante. A equipa agora tem muita confiança no Restelo porque sente que este ano tem os adeptos do seu lado.

Era visto muitas vezes no Restelo em dias de jogo. Sente que está a trabalhar “em casa”?
Bom, eu vejo jogos em todo o lado, faz parte da minha vida. Obviamente, o Belenenses diz-me muito, até porque joguei aqui 2 anos. Ao longo da carreira sempre ambicionei treinar o Belenenses, surgiu agora a oportunidade e estou preparado para atingir os objectivos do clube. Mas sei que este é um ano muito complicado.

Qual a sua relação no dia-a-dia com os adeptos do nosso clube?
Eu entro no Restelo às 8 da manhã e saio as 8 da noite. Só saio para almoçar, e passo cá o dia. Penso que o relacionamento é bom, mas o treinador é bom ou mau em função dos resultados. O Belenenses tem uma massa associativa que sonha ainda com os grandes exitos do passado... por exemplo, quando joguei aqui ficámos em 2º lugar... conheço o Belenenses por fora e por dentro, e tenho uma relação o mais cordial possível com os adeptos, procuro ouvi-los quando têm algo para dizer. Sei que eles falam com paixão e a ideia é sempre o melhor para o Belenenses.

De ano para ano, as assistências têm decrescido em Portugal. Como o interpreta?
Tem a ver com poder de compra dos portugueses e o preço dos preço dos bilhetes. Os bilhetes são muito caros, ninguém vai ao futebol sozinho, portanto o preço do bilhete multiplica pelas pessoas da família que vêm. E fica muito caro, com bilhetes a 20 e 25 euros, é impossível uma família portuguesa normal ir ao futebol. No Brasil ou na Argentina vemos os estádios cheios, e os bilhetes lá dão acesso a todas as classes sociais. Aqui, o futebol não é para o povo, parece que só está ao alcance da bolsa de alguns.

E em relação à diminuição do campeonato para 16 clubes...
Isso não dá para perceber! Isso são interesses económicos de alguns clubes. Em Itália aumentou-se de 18 para 20, em Espanha também são 20... em Portugal diminui-se. E porquê? Porque tem de se ter mais tempo para as selecções, tem de se ter mais tempo para preparar a Liga dos Campeões... tenta-se prejudicar os menos favorecidos em benefício dos que já são economicamente mais fortes, de forma a aumentar ainda mais o fosso. Um clube espanhol por ano joga quase o dobro de um português... O meu conselho é que a Liga faça um campeonato apenas entre Benfica, Sporting e Porto.

Tem acompanhado as camadas jovens do clube?
Sim. Fiz questão de estar por dentro da formação do clube e tentei trazer um coordenador desportivo para a metodologia do treino da formação em sintonia comigo O Miguel Quaresma tem 15 anos de experiência, tivemos grandes êxitos no Estrela da Amadora, onde vendemos Jorge Andrade, Miguel, Chaínho, Jordão, Paulo Ferreira, Rodolfo... jogadores que renderam bom dinheiro ao Estrela da Amadora. Vamos tentar fazê-lo no Belenenses, mas aqui temos muitas actividades e pouco espaço para todos. E o futebol de formação, que é o que pode ser rentável para o Belenenses, não tem muita qualidade de trabalho em termos de espaço, em detrimento de outras modalidades que em termos económicos futuros não vão ser rentabilizadas. Temos bons treinadores, mas temos dificuldade em criar qualidade, porque não há espaço para o futebol de formação...

Apesar disso, somos o segundo clube da Liga Bwin com mais jogadores da formação na equipa principal...
Sim, este ano fiz regressar o Eliseu e o Gonçalo Brandão, depois temos o Rúben Amorim, o Rolando, o Sandro Moreira, o Mano e o Marco Pinto, todos eles da formação. Tento faze-los crescer, que eles se identifiquem com o clube, e espero nestes anos que aqui estiver deixar jogadores aqui formados e com nível para carreiras de topo.

Em relação a esses jogadores mais jovens, não seria preferível “rodarem” num clube que lhes permitisse jogar com regularidade?
Claro, era importante termos um clube onde pudessemos colocar os jogadores, isto porque não podemos ficar com todos. Essa é uma situação que está a ser estudada para a próxima temporada, a SAD está interessada em encontrar um parceiro para colocar esses jovens.

Nos últimos anos não lhe têm sido oferecidos projectos ambiciosos, apesar de ter um curriculo interessante...
Bom, a minha carreira começou no Amora durante 4 anos, depois 5 no Felgueiras e 3 no Estrela da Amadora. Nos últimos anos, de facto, tenho andado a salvar equipas e tenho conseguido. Este anos voltei a ter um projecto a sério, com objectivos claros.

Há semanas atrás um jornalista referiu que se o Jorge Jesus se vestisse e falásse de outra forma, seria considerado um treinador de topo. Sente-se injustiçado?
Injustiçado não. Eu vesti-me de preto durante muitos anos desde a morte da minha mãe, e as pessoas não o entenderam muito bem. Actualmente já não carrego tanto, mas não é pela carreira desportiva, mas sim porque achei que não necessitava de andar todos os dias tão carregado. A verdade é que desportivamente raramente falhei um objectivo... são oportunidades que se têm e que têm a ver com as pessoas com quem nos relacionamos. Eu relaciono-me é com a minha família e os meus amigos, que não têm interferência no mundo do futebol. De qualquer forma, este já o 3º grande clube português que treino: treinei o Guimarães, o Setúbal e agora estou a treinar o Belenenses, que é um dos maiores clubes do país. Esta é a minha opinião.

E em relação às suspeições à volta do futebol português, qual a sua opinião?
Acho que o Apito Dourado fez despertar sensibilidades e autoridades, tendo afastado aqueles que incentivavam a corrupção, pois já não encontram tanto espaço no futebol português. Tudo isso é importante e valoriza o futebol português, mas para isso é preciso as decisões de quem analisa o caso serem respeitadas.

Sente que as oportunidades então não são iguais para todos...É capaz de ser verdade... mas eu não me sinto desprotegido. Tenho tido um percurso desportivo quase sempre vitorioso e sempre com pessoas que me ajudam. Agora, sei que não tenho influência nos meios que decidem, porque não me relaciono com esses meios. Mas quando há valor, há mais êxitos que inêxitos, logo o tempo dá-nos valor. O que interessa é a capacidade de trabalho e o conhecimento do treino. Há uns anos confundiu-se em Portugal o que eram treinadores com capacidades exibidas com treinadores com capacidades exercidas. São coisas completamente diferentes, mas como em tudo na vida, isso ficou demonstrado na prática. Saber é uma coisa, e toda a gente sabe de futebol. O problema é saber fazer, e isso poucos sabem.

E em termos pessoais, quais os seus objectivos a médio e longo prazo?
Eu só tenho um objectivo: é nestes 3 anos formar no Belenenses uma equipa que dispute os 5 primeiros lugares. E quero consegui-lo!

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